Não é raro ouvir uma mulher dizer isso – sobretudo se essa mulher tiver filhos, enteados ou outras crianças das quais ela cuida cotidianamente. A queixa de falta de tempo para cuidar de si mesma é praticamente epidêmica, mas ela começa a se tornar mais grave quando extrapola até mesmo os cuidados mais básicos de saúde física a mental.

“Preciso levar o João na natação e a Maria na aula de inglês”. “Preciso acompanhar os pedreiros que vão resolver o problema do vazamento lá de casa”. “Preciso passar no supermercado, na lavanderia e na farmácia”. “Preciso entregar relatórios enormes e urgentes do escritório”. “Preciso pintar a raiz do meu cabelo, os brancos já estão aparentes”.

Em tempos de outubro rosa, mês de conscientização sobre os riscos do câncer de mama, precisamos colocar a termo “autocuidado” em pauta. Recentemente venho percebendo que a indústria cosmética se apropriou desse vocábulo, posicionando o autocuidado como o ato de passar cremes no rosto, hidratar a pele, usar máscaras faciais ou fazer maquiagens bonitas.

Precisamos repensar o conceito de autocuidado. Autocuidado não é o ato de passar um creme no rosto e ir responder e-mails do escritório ou preparar o jantar. Autocuidado é o ato de efetivamente nos voltarmos para aquilo que importa em nós mesmas: fazer terapia, sair para beber um vinho com amigos, cuidar da própria saúde. Marcar nossos exames é algo que precisa estar no topo das nossas prioridades – sem negociações ou flexibilizações.

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Quando, num voo, os comissários nos dão as instruções de segurança, eles dizem que em caso de despressurização máscaras de oxigênio cairão automaticamente sobre os nossos assentos. Mas eles sempre fazem um alerta: se alguém ao nosso lado precisar de ajuda, devemos colocar a nossa máscara primeiro para só depois ajudar o outro. Essa é uma condição essencial.

Os comissários não explicam o porquê dessa regra, mas se pensarmos um pouquinho, a resposta é óbvia: se não colocarmos a nossa máscara o quanto antes, a probabilidade de desmaiarmos é muito grande e (surpresa!) desmaiados não temos capacidade alguma de ajudar quem está ao nosso lado.

Então, enquanto estamos levando o João para a natação, a Maria para a aula de inglês ou resolvendo o problema do vazamento da cozinha, talvez haja um nódulo maligno crescendo na nossa mama direita. E se a mamografia continuar sendo adiada – porque a prioridade está sempre nos outros e nunca em nós – talvez nós não estejamos aqui no ano que vem para levar e buscar as crianças. Prioridades precisam ser tratadas como prioridades.