Há muito tempo que tenho ideia de que Novak Djokovic não é lá muito criterioso nas escolhas que faz. Mais precisamente, desde que se deixou fotografar equipado com uma camisola do Benfica. Porquê, Novak? Porquê? Era natural que, mais cedo ou mais tarde, se visse envolvido numa trapalhada destas.

Para ir jogar o Open da Austrália, Djokovic pediu que o isentassem da obrigatoriedade da vacina contra a Covid, por ter tido a doença no mês passado. Apesar de o terem deixado embarcar com a certeza de que iria entrar no país, quando lá chegou detiveram-no e quiseram anular-lhe o visto, por irregularidades burocráticas. Um juiz reverteu essa decisão, considerando-a não só desajustada, mas também aplicada de forma abrutalhada. No dia seguinte, soube-se que, ao contrário do que o seu requerimento afirmava e as regras exigiam, Djokovic tinha viajado nos últimos 15 dias. Mais: tinha ido a eventos públicos quando já sabia estar infectado. O ministro da Imigração, exercendo uma prerrogativa legal, cancelou-lhe o visto por razões de “saúde e ordem pública”. Ao que parece, tem medo de que a presença de Djokovic entusiasme os anti-vacinas, que olham para o tenista sérvio como uma espécie de messias. Em resumo (e, muito provavelmente, com erros no relato), foi isto que aconteceu.

Confesso alguma perplexidade com esta decisão do ministro. Que tipo de ameaça é que Djokovic coloca à saúde pública, se teve Covid no mês passado e, portanto, não está infectado nem contagioso? E que perigo representa para a ordem pública? Que se saiba, não é Che Guevic, um revolucionário que foi à Austrália para incendiar as massas com as suas jeremiadas anti-vacinas. É apenas um atleta ligeiramente chalupa, com ideias que, neste momento, são tidas por grande parte dos governantes como “erradas”. Portanto, Djokovic foi castigado por delito de opinião. Que isto tenha acontecido na Austrália, um país de carcereiros, seria de esperar. Que o resto do mundo se mostre disposto a fazer igual, já me parece mais maçador.

Reparem, trata-se de Novak Djokovic, não é o Ghandi. Achar que a sua mera presença pode influenciar a consciência moral de toda uma nação, mesmo tratando-se de uma colónia penal nos antípodas, é ter os seus compatriotas em muito baixa consideração. Cá em Portugal sabemos separar bem os grandes desportistas e a forma como se comportam na sua vida privada. A nossa ética não é manipulável. Por exemplo, adoramos Cristiano Ronaldo por tudo o que faz em campo, mas não é por isso que convidamos raparigas para a nossa suite de hotel em Las Vegas para “ver o jacúzi”. Ou seja, não era por lá estar Djokovic que, de repente, australianos que queriam ser vacinados iriam mudar de opinião. Como é evidente, iriam apreciar o estupendo ténis praticado e, no fim, dizer “caramba, este Djokovic é maluco em não se vacinar, mas pratica um estupendo ténis”. Chama-se a isto hipocrisia e o ministro da Imigração ganhava em ser mais sonso. Em vez disso, é um puritano. E resolveu usar Djokovic como aviso para todos: quem não se vacinar na Austrália vai ter a vida dificultada.

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Talvez Djokovic se tenha aproveitado da sua celebridade para conseguir tratamento de excepção. Mas não foi o único: o Governo australiano também se aproveitou da celebridade de Djokovic e aplicou-lhe um tratamento excepcional para mostrar ao mundo que, naquele país, nem uma vedeta se pode dar ao luxo de pensar de maneira diferente.

Entretanto, também o Governo francês vai impedir Djokovic de participar em Roland Garros, por não estar vacinado. Mesmo que apresente testes negativos duas vezes ao dia. Os não-vacinados em 2022 são os homossexuais de 1985.

– O senhor não pode entrar no balneário, por causa da SIDA.

– Mas eu não tenho SIDA.

– Pois, mas não é heterossexual e a prevalência de SIDA entre não-heterossexuais é maior do que entre heterossexuais.

– Isso não faz sentido. Eu não tenho SIDA.

– São as regras.

Faz-me lembrar quando eu andava no colégio católico e era dos poucos não baptizados. Não sendo hippies, os meus pais eram ateus levemente anti-clericais e queriam que eu escolhesse se queria ou não ser baptizado. Obviamente, com 8 ou 9 anos, quando percebi que havia algumas coisas que eu não podia fazer por não estar inscrito no clube, quis ser baptizado. Mais do que fé, moveu-me a inveja – aquilo a que agora se chama FOMO. Isto para dizer que esta conversa à volta dos não-vacinados se começa a parecer muito com a segregação dos impuros. Se o menino ainda não foi ungido com o líquido sagrado, não pode participar na congregação dos fiéis. Já com o baptismo era a mesma coisa. Embora, tenho de reconhecer, a Igreja não seja tão exigente ao nível das tomas de aguadilhas, contentando-se com o baptismo e com o crisma. A vacinação vai já na 3ª dose. Por enquanto, porque há seitas que começam a exigir a 4ª. Não sei que laboratório fabrica a água benta, mas ao nível de prazos de validade é muito superior à Pfizer e à Moderna.

Nos últimos tempos, começou a perceber-se que a vacina não impede a transmissão do vírus, protege é da doença grave. Se falarmos de Covid, claro. Se for da saúde mental, não tenho tanta certeza. Os meus níveis de ansiedade andam descontrolados, por não saber se estou tecnicamente puro ou a transgredir. Vejamos: tomei a Janssen em Junho do ano passado, tive Covid em Agosto, há amigos meus que já levaram a terceira dose de não sei quê, mas eu ainda não levei um tal de reforço e não consigo agendá-lo porque se digo que já tive a doença, o site da DGS recusa-me a inscrição. Isto é muito stressante. Ainda por cima, ao que tudo indica, a dose de reforço perde eficácia ao fim de 10 semanas. Dez semanas. Isso é o efeito de um Ben-u-ron um bocadinho mais forte. Se, por absurdo, um dia tiver de ir à Austrália, já sei o que vou dizer: “Amigo, isto é longe como tudo. Estou a viajar há três dias, pá. Tomei a 27ª dose mesmo antes da partida, mas durante a jornada perdeu a carga”. Pelo sim, pelo não, quando conseguir marcar a vacina, peço para me darem um reforço em cada braço e outro numa das nádegas, só para garantir que a certificação aguenta até ao fim do Primavera. Agora, isto não é nada bom para o ambiente. Só em papel extra para adendas nos boletins de vacina vamos gastar o pinhal de Leiria. Não sei porquê, começo a achar que a semana de 4 dias que o PS quer instituir é por causa disto: trabalha-se só de 2ª a 5ª feira para à 6ª feira podermos ir tomar a pica.