Fala-se pouco da bondade. Daquela que se sente no olhar, côncavo, de algumas pessoas. Que nos atrai. E aconchega. E que nos leva a falar com os olhos e por gestos de ternura. Que nos faz sentir a confiança. E nos faz saborear a dádiva. E entender a generosidade como uma reciprocidade que nos aprofunda. E nos traz a convicção de que não estamos sós. Mas que somos livres. Quando somos quem somos junto de quem nos quer bem.

Compreende-se que a bondade tenha sido associada, desde sempre, aos valores da Humanidade. A religião, não a impondo, recomenda-a como valor humano. Susceptível de prémios ou de castigos. Que, à escala duma multidão de pessoas carentes a todos os níveis, expostas às injustiças ou à violência (ou, até, por escolarizar!) fizeram com que um acto bondoso talvez só muito raramente se coligasse com o sentimento que o levava a efeito. Aprendemos – hoje, ainda – a ser mais vezes falsamente bondosos do que a viver, a bondade sem barreiras e de forma genuína. No limite, associamos a caridade à bondade. Mas não ganhamos se as confundirmos, realmente. Porque caridade é, vezes demais, comiseração em vez de bondade.

Bondade, amor e verdade não são sinónimos. É verdade que não. Mas são, mutuamente, indispensáveis para serem possíveis.

É claro que quando falamos da bondade somos, muitas vezes, advertidos. Como se fôssemos ingénuos e crédulos. Mais que simplistas, quase simplórios. E, seguramente porque ela incomoda, há sempre quem nos recorde que a bondade se assemelha a um estar falso, “produzido” ou premeditado. (Chamemos-lhe bonzinho.) Porque a maldade existe. Como se não a experimentássemos, todos os dias. Desde as pequenas maldades de quem, distraidamente, nos magoa, até às pessoas (perversas, só pode ser) que nos fazem mal com “umas verdades”.   Porque nos querem “bem”!

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Se há dúvidas acerca da bondade genuína das pessoas olhemos para os bebés. E tenhamos a humildade de entender que aqueles que se tornam maus (ou muito maus) ficaram assim porque os seus apelos ao apego foram sendo, sobretudo, insatisfeitos. E, por isso mesmo, de agrura em agrura, passaram a invejar a bondade que vêem nos outros. Que quase já não cobiçam. (Porque fazê-lo os levaria a reconhecer todo o mal de que foram vítimas e que que terão feito.) Antes a tentam, de todas as formas, obstaculizar. Ou destruir.

É verdade que todos já fomos maus. Um ror de vezes. Sem querer e de propósito. Por isso, não adianta que nos lembrem, quando falamos da bondade, que o mal existe. Aquilo que distingue as vezes em que fomos maus de sermos maus é o reconhecimento da nossa responsabilidade. Da nossa culpa. O modo como a reparamos e a aproveitamos para sermos melhores. De forma a que o mal nos traga ao bem. Assim sejamos capazes de o escolher.

Há, portanto, pessoas boas e más pessoas. (A diferença entre umas e outras passa por umas aproveitarem o mal que fazem para serem melhores e outras fazerem por ignorá-lo.) Pessoas que escolhem ser boas e pessoas que escolhem ser más. Não adianta que se avente a ideia de que o carácter não se avalia. (Porque não havemos, intimamente, de o fazer?) Ou que o mal é genético. Como se tudo o que escolhemos – desde a nossa identidade, à nossa sexualidade, aos pormenores do nosso comportamento, etc. – à falta de coragem para reconhecermos as nossas escolhas (e tudo aquilo que as condiciona), fosse biologia. Sempre a biologia a tornar-nos vítimas…

A bondade é uma escolha. Não tem como não ser. Mas quando eu oiço tantos adolescentes e tantos jovens a dizerem-me que querem ser “bons nalguma coisa” ou “diferentes” (de fazerem a diferença) – ou tantos pais a afirmarem que não lhes importa as escolhas dos filhos, desde que eles sejam “bons naquilo que fazem” – eu deveria ter motivos para o júbilo. Afinal, o mundo estaria a converter-se numa reserva de bondade. Ou a bondade estaria a transformar-se num projecto de vida! Mas, não! O serem “bons” de que falam passa por serem melhores que os outros. Naquilo que venham a ser ou em tudo o que venham a fazer. E, aí, eu paro. De medo. Porque isso lhes arruina a vida. Serem, “obsessivamente”, melhores que os outros empurra-os, mesmo sem quererem, para serem maus; mais vezes. Porque os outros se transformam, muitas vezes, n’ o obstáculo que eles precisam de derrubar para que sejam os melhores. Daí que sorria, com ternura, quando as mães me dizem: “Eu não quero que o meu filho seja o melhor; só quero que seja feliz”. Nem sempre o feliz, das mães, quer dizer que elas desejem que um filho seja só bom. De ser bondoso. Mas que seja bom, de ser melhor, que aqueles que – querendo ser os melhores, como ele – não conseguem ser felizes.

A mim parece-me que o mundo se tem afunilado ao definir os projectos de carreira antes dos projectos de vida. Fazendo da competitividade e do individualismo os condimentos com que se é bom. De ser melhor que os outros. Se, ao irmos por aqui, não estamos a criar uma geração capaz, sobretudo, de ser infeliz estarei, então, enganado.

Confundir ser “o melhor” com ser bondoso é querer os alicerces no telhado. Se insistirmos no ser bom desta maneira, estimulamos a vaidade antes da verdade. O egoísmo em vez da bondade. E o “ama-te a ti mesmo” no lugar do amor. Se por aqui não se vai a caminho de se ser feliz sozinho, por onde é que se vai, então?….