O aniversário da guerra da Ucrânia e o anúncio de que Marcelo Rebelo de Sousa vai condecorar Zelensky foram pretexto para novos comunicados do PCP. “Novos” que é como quem diz “o mesmo que os comunistas andam a reemitir desde o primeiro dia da invasão russa”, com ligeiras mudanças daquelas que os alunos calões fazem quando copiam trabalhos dos colegas. Ler uma dessas declarações é como começar um romance pelo 2º capítulo. Temos a impressão que nos falta qualquer coisa para perceber a história toda. O PCP critica sempre a resposta belicista dos ucranianos, mas nunca refere a pergunta que lhes foi colocada. A única pergunta que interessa ao PCP é a posta por Paula Santos, na AR: Para onde nos querem empurrar com mais confrontação e guerra, com o alimentar do conflito com armas com cada vez maior capacidade de destruição? Sabendo que o prolongamento da guerra causará ainda mais perda de vidas humanas, mais sofrimento, maior destruição”. Que é forma tribunícia do típico discurso de violador: “Se não resistires isto dói menos e acaba mais depressa”. Quem diz que os agressores não pensam no bem estar das vítimas? Ouvir Paula Santos no púlpito faz-me recordar aquele fado que começa: “Eu sou um cavalo de Tróia russo”. Santos seria muito convincente a cantá-lo, se bem que estou curioso para ver como venderia a parte “que se chamava Gingão”. A robótica ainda não evolui ao ponto de autómatos comunistas terem ginga.

Para o PCP, a responsabilidade da guerra reparte-se entre ucranianos e russos. Parece aquele pai que separa dois irmãos à luta e que, perante os protestos de ambos de que “a culpa foi dele”, assenta um sopapo em cada um. Só que, neste caso, um irmão tem mais 30 cm e 50 kg do que o outro, além do hábito maçador de agredir toda a gente.

Ao contrário da opinião geral, não considero que a posição do PCP, de condenar o agredido e desculpar o agressor, seja totalmente descabelada. Baseia-se é numa percepção diferente da realidade, a que toda a gente tem direito. Vejamos, uma das acusações do PCP é que Zelensky e os ucranianos são xenófobos. Daí a relutância dos comunistas em admitir que se trata de uma invasão da Rússia à Ucrânia. Para eles, aquilo não é uma invasão, é uma vaga migratória. Os russos entram na Ucrânia em busca de melhores condições para as suas famílias, apenas com a farda que trazem no corpo e uma AK47 a tiracolo, e são repelidos pelos egoístas ucranianos, que se recusam partilhar o seu espectacular nível de vida.

Tenho de reconhecer que é um argumento válido. Embora não isento de incoerências. Por exemplo, o PCP critica os ucranianos que querem expulsar russos do seu país ao mesmo tempo que apoia a posição de quem acha que há turistas a mais em Lisboa e no Porto. Mas é uma incoerência pequenina. É perfeitamente razoável considerar que o barulho de malas com rodinhas arrastadas em calçada portuguesa incomoda mais a vizinhança do que o som de mísseis a rebentar um quarteirão inteiro. Até porque nesses bairros lisboetas vive gente que é afectada pelo ruído, enquanto nas cidades ucranianas já não sobra ninguém para se queixar do estrondo. Além de que um fim-de-semana de turismo intensivo deixa a cidade de pantanas. Os mísseis ao menos pulverizam tudo. Depois, basta aspirar.

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Lá está, é uma incoerência que não belisca o inabalável edifício ideológico dos comunistas. Como se comprova, por exemplo, quando o PCP vocifera contra a escalada. Só no comunicado de dia 23 critica cinco escaladas: a escalada de confrontação, a escalada armamentista, a escalada contra a Rússia, a escalada belicista e a escalada de agravamento do conflito. Ora, se há coisa que os comunistas sempre censuraram foi a escalada. Eu lembro-me bem do tempo em o PCP aplaudia quando a Stasi abatia quem tentava escalar o muro de Berlim. A escalada mal chegava ao metro e meio e pumba!, tiro no alpinista. Para escaladas não contem com o PCP.

(Curiosamente, nessa época, o problema não era tanto a xenofobia, era a xenofilia de quem, no Ocidente, queria receber os estrangeiros que fugiam do Bloco de Leste).

Como sempre, o PCP é alvo fácil de ataques. Ainda agora, criticou-se o partido por ter faltado ao minuto de silêncio pela Ucrânia. É mera vontade de embirrar. Querem ainda mais silêncio dos comunistas? O que é que interessa mais minuto, menos minuto, se há meses que andam caladinhos que nem ratos a compactuar com Putin?

Outro recente caso de anti-comunismo deu-se quando, a propósito do pacote de habitação do Governo, Luís Montenegro chamou “comunista” a António Costa. É uma tremenda injustiça. Eu, se fosse comunista, sentir-me-ia profundamente injuriado. Costa comunista? Não podia estar mais longe.

Apontem um líder de governo comunista que alguma vez tenha ido à televisão, perante uma jornalista de um órgão não estatal, explicar medidas que ainda irão entrar em fase de discussão antes de serem aplicadas, expondo-se a ser publicamente gozado por toda a gente, da oposição à sociedade civil, e arriscando a não reeleição nas próximas legislativas. Não conseguem, pois não?