Todo cientista almeja contribuir para o avanço do conhecimento e criar soluções práticas que impactem positivamente a sociedade. Os avanços científicos tendem a ser incrementais. O famoso lema “Standing on the shoulders of giants” evidencia a importância do trabalho coletivo na ciência para enfrentar os desafios do quotidiano. Quando surge finalmente uma descoberta inovadora e com potencial de ser explorado comercialmente, o percurso da bancada ao mercado é, frequentemente, incerto e complexo. Universidades e empresas têm estabelecido diálogos, procurando estreitar a ligação entre o berço do conhecimento e as entidades que o aplicam.
As spin-offs que muitas vezes originam startups têm sido uma estratégia comum para a comercialização da investigação académica. Curiosamente, milhares de startups originárias do mundo académico são criadas anualmente em todo o mundo. Os cientistas, seus fundadores, são uma peça chave neste processo. É notório, contudo que muitos deles desconhecem por completo os procedimentos de transferência de conhecimento. Por outro lado, as Universidades, berço do conhecimento gerado com método científico, colocam muitas vezes nestes processos procedimentos empíricos e pouco definidos.
De forma a colmatar esta lacuna as Universidades têm criado gabinetes de apoio à transferência de tecnologia. Estes gabinetes têm-se revelado uma mais-valia, mas enfrentam desafios acentuados, como a extensa burocracia que choca com os prazos de um empreendedor, e a necessidade de financiamento próprio e sólido, nomeadamente para contratação de especialistas na área. Isto acentua a disparidade de procedimentos entre universidades quando comparadas ao nível mundial.
Portugal beneficiaria de um investimento robusto nesta vertente, permitindo que as instituições adotassem, em conjunto, estratégias eficazes de transferência do conhecimento que acompanhem as melhores práticas internacionais. Que o esforço coletivo em ciência se reflita também na gestão de rentabilização deste conhecimento, pela partilha e melhoria incremental de guiões de boas práticas, que assentem em regras bem definidas de compensação, estando alinhadas com a estratégia de crescimento das startups e de quem as financia.
As Universidades devem, sem dúvida, realizar encaixe financeiro com a transferência de tecnologia. Contudo, a viabilidade de uma hipotética rentabilidade para as Universidades pressupõe que a empresa, spin-off/startup que incorpora o conhecimento académico, desenvolva um percurso extenso, desafiador e oneroso. Para o efeito as empresas recorrem a financiamento externo, por via de diluição de capital para investidores. Se as Universidades não se alinharem com as estratégias dos fundadores e as exigências dos investidores, muitas ideias promissoras ficarão por concretizar. O investimento na proteção da propriedade intelectual não pode, nem deve ser apenas uma métrica para rankings, mas algo que permita gerar retorno numa estratégia a longo prazo.
Para concluir, temo que as melhores ideias são as que ficaram pelo caminho, envoltas numa teia burocrática que faz desistir o mais resiliente de todos os empreendedores. Isto deveria ser um motivo de reflexão para todos nós. Como sabiamente referiu Charles Dickens: “Is it better to have had a good thing and lost it, or never have had it?”. Na minha perspetiva, seria profícuo não permitir que se perca o que é valioso. O conhecimento é a base da economia que sustenta a sociedade.
Neide Vieira, Investigadora doutorada (ICVS, Universidade do Minho), co-fundadora e Head of Business Development da IPLEXMED.
O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.