Em 2020 e 2021, por decisão do Ministério da Educação, os exames nacionais, entre os quais o de Física e Química A, deixaram de ser obrigatórios para a conclusão e certificação do ensino secundário e resumiram-se à função de provas de ingresso no ensino superior. Enquanto provas de ingresso, a principal utilidade dos exames nacionais é garantir a seriação justa, meritocrática e imparcial dos alunos, permitindo que o acesso às universidades se baseie num critério equitativo.

É então de estranhar que em 2020 e novamente em 2021, o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) tenha alterado a estrutura dos exames nacionais de forma a impedir a seriação séria dos alunos candidatos ao ensino superior.

Em 2020, o IAVE decidiu que as provas de exame nacional de Física e Química A (FQA), teriam dois conjuntos de itens: um primeiro conjunto de oito itens cujas respostas contribuíam obrigatoriamente para a classificaÇÃo final da prova, e um outro de 18 itens, dos quais apenas contribuíam para a classificação final os 12 itens cujas respostas obtivessem melhor pontuação. Em 2021, a organização da prova em dois conjuntos mantém-se, com a diferença de que os itens do primeiro conjunto passam de 8 para 16.

Em ambos os anos, não existiram diferenças entre as questões do primeiro grupo e as questões do segundo. Todas abordaram o que se consideram “aprendizagens essenciais” e todas tiveram a mesma cotação.

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Para ilustrar as consequências desta opção, pensemos num aluno que, em 2020, acerta os 8 itens obrigatórios e acerta ainda os 18 itens não obrigatórios, sendo-lhe contabilizados os 12 melhores desse último conjunto. Este aluno obtém a nota máxima de 20 valores. E pensemos agora num outro aluno que também acerta os oito itens obrigatórios, mas, dos não obrigatórios, erra ou não responde a seis. Este aluno também obtém 20 valores. Enquanto o primeiro aluno resolveu corretamente 100% da prova de exame, o segundo falhou mais de 20%. No entanto (espantosamente!) ambos obtiveram a mesma pontuação. Foi com esta mesma nota a FQA que se candidataram ao ensino superior.

Fácil será concluir que, num universo de cerca de 40 mil alunos que realizaram a prova da 1.ª fase do exame nacional de FQA em 2020, foram atribuídas classificações idênticas a provas com desempenhos muito diferentes e foram atribuídas classificações mais baixas a provas com melhores desempenhos (esta situação ocorre quando os alunos erraram sobretudo os itens ditos obrigatórios).

Fazer corresponder classificações iguais a desempenhos diferentes ou, em casos ainda mais absurdos, fazer corresponder classificações mais baixas a desempenhos melhores, é violar o mais elementar princípio que deve estar na base de uma avaliação justa e séria: a correspondência entre o desempenho real do aluno e a respetiva classificação.

É impossível que esta correspondência tenha sido assegurada quando, por exemplo, em 2019, apenas 1,4% dos alunos que realizaram o exame obteve 19 ou 20 valores e em 2020 esse número subiu astronomicamente para 14,5%! Uma vez que a prova estava alinhada com as provas de anos anteriores, as várias anomalias e aberrações que se verificaram nos resultados só podem ser atribuídas ao modelo adotado pelo IAVE e, em particular, àpossibilidade de ter sido possível descartar seis itens de um total de 26, sem que isso implicasse, por si só, qualquer penalização.

A validade das provas de exame nacional de FQA de 2020, enquanto instrumento de avaliação que se pretendia rigoroso, ficou assim seriamente comprometida e a prova não permitiu a avaliação do mérito relativo. Não foi cumprido o único objetivo do exame nacional de FQA: seriar de forma justa os alunos no acesso ao ensino superior. Em 2021, tendo-se mantido a distinção entre itens que são contabilizados obrigatoriamente para a classificação final e outros que não o são, o problema persiste. E não é apenas em Física e Química A – nas disciplinas de Matemática A e de Biologia e Geologia, o caso é em tudo semelhante (no exame nacional de Matemática A de 1.ª fase em 2020 a classificação mais frequente foi 19 valores).

O IAVE é o organismo responsável pela avaliação externa neste país. Se, na realidade, dele parte a iniciativa de destruir qualquer utilidade dos exames, impedindo a justa avaliação dos alunos que se candidatam ao ensino superior e impossibilitando qualquer análise comparativa dos resultados entre vários anos, resta então perguntar: para que servem estes exames? Para que serve o IAVE? Para nada.