Ao longo dos últimos dias, pessoas de vários setores, da extrema-esquerda a uma pretensa intelectualidade com voz nos meios de comunicação social, tentam justificar a agressão russa a um país soberano. A censura internacional ao ato de Putin, bem como a surpresa com a reação firme do presidente ucraniano, foram suficientes para envergonhar os que se comovem com as dores do Kremlin. Perante isto, a estratégia destes analistas passou a ser a de encontrar outros responsáveis para não deixar Putin sozinho. Como não podia deixar de ser, lá vieram os culpados do costume: a NATO, os americanos e a União Europeia.

Não se percebe qual é a parte sobre as regras democráticas, o direito internacional e o direito à autodeterminação dos povos que suscita dúvidas a estes defensores da geoestratégia de Putin. Sobretudo, surpreende-me que estas mesmas pessoas, políticos incluídos, tenham, contrariamente ao que agora defendem, sido tão firmes na defesa da independência de Timor. De acordo com as teses que agora invocam, defender a independência de Timor seria uma provocação e uma perturbação à estratégia da Indonésia, a grande potência da região com direito a decidir sobre o futuro dos países limítrofes.

Se há coisa que os últimos dias têm mostrado é que na ordem internacional não pode haver meias democracias, que aceitam como parceiros ditadores de corpo inteiro fazendo de conta que são apenas meios ditadores.

Quem acha que a Ucrânia se deve manter como neutral, sem direito a aderir à NATO nem à União Europeia, devia explicar muito bem o que é que a Ucrânia tem a menos do que qualquer outro país que queira fazer as suas escolhas em termos estratégicos. É porque são um país vizinho da Rússia? É porque essa vizinhança lhe dá um estatuto de sub-país? Ou é porque não queremos incomodar o ditador Putin para continuarmos alegremente a fazer negócios com ele de acordo com as regras dele?

A história da Europa devia ser suficiente para não nos deixar ter este tipo de equívocos. Mas não só insistimos nos erros, como nas explicações, como na tentativa de procurar compromissos com quem não quer compromisso nenhum.

A verdade é esta: Putin decidiu esta guerra porque quer anexar a Ucrânia. No dia em que deu a ordem de invasão ficou claro que não iria recuar. O desfecho da atual situação é complexo, até porque ninguém está a imaginar Vladimir Putin sentado no banco do Tribunal Penal Internacional. Resta-nos esperar tudo da bravura e determinação de Zelensky, como no passado esperámos de Churchill. Para além das armas que, em boa hora, vários Estados europeus estão a enviar para a Ucrânia, a esperança para Zelensky pode também estar no efeito de uma arma poderosa dos tempos modernos: o poder das redes sociais como meio de destruição da imagem de um ditador aos olhos do seu próprio povo. A multiplicação de manifestações antiguerra na Rússia dá-nos alguma esperança de que sejam os russos a fazer recuar Putin. Como é que o vão fazer? Neste momento é imprevisível.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR