Quando decretou a invasão da Ucrânia, Putin justificou a “ação militar especial” com a necessidade de desnazificar o país. Uma falácia que deixava explícito que, para o inquilino do Kremlin, os neonazis e a extrema-direita representavam um perigo. Uma nova falácia como se demonstrará de seguida.

Na realidade, a forma como Putin manipula a extrema-direita, tanto a nível interno como externo, assemelha-se à destreza de um artista que faz do espetáculo de marionetas a sua forma de vida. Uma manipulação tão perfeita que esconde a ação do controlador e dá aos espectadores a sensação de que a marioneta dispõe de vida própria. Um logro tão conseguido que até a marioneta nem sempre se apercebe dos fios decisórios que controlam os seus movimentos.

Como a perícia requer experiência, Putin iniciou os treinos mal chegou ao Poder. Assim, face ao avanço da ideologia neonazi então em curso na Rússia, começou por fazer aprovar legislação pretensamente visando controlar essa ameaça. Porém, ao mesmo tempo que se dizia apostado na erradicação da ameaça extremista, abria discretamente os braços para receber elementos desses grupos. Uma estratégia insistentemente denunciada pelos analistas que acompanham o processo com a devida atenção. A única forma de ouvir os silêncios intencionais do Poder.

Daí que tenha sido possível identificar alguns marcos dessa estratégia. Como a criação de uma organização de índole ultranacionalista destinada à juventude, “Moving Together”, a que se seguiria a “Nashi”. Por isso, o recrutamento de membros do “bas-fond”, designadamente de hooligans conotados com a extrema-direita para perseguirem quem colocasse em causa o projeto putiniano. Sem contar com a colaboração do Russkii Obraz, a cujos principais dirigentes Putin concedeu um imenso palco mediático. O novo czar sabia que a manipulação destes e de outros grupos de neonazis russos representava a melhor estratégia para conter os avanços dos opositores internos que pretendiam alterar a sua política nacionalista e conservadora.

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Verdade que, ao longo do tempo, alguns desses grupos ousaram ir além do papel que lhes tinha sido oficialmente destinado e abusaram repetida e ostensivamente da violência. Uma ousadia controlada por Putin através de um aparente afastamento dos elementos mais radicais e que, na verdade, se consubstanciou no reforço de outros grupos de extrema-direita apadrinhados pela máquina instalada no Kremlin.

Porém, a manipulação não coube nas fronteiras geográficas da Rússia. Putin sabia que a estratégia de enfraquecimento do Ocidente era um dos pilares do eurasianismo preconizado pelo seu intelectual preferido. O seu Grigori Rasputin que dá pelo nome de Aleksandr Dugin.

Assim, a desinformação levada a cabo pelo ecossistema de que o RT e o Sputnik constituem apenas dois exemplos, deveria ser acompanhada pelo apoio aos grupos neonazis que desafiam o modelo ocidental e aos partidos de extrema-direita e direita radical que colocam em causa o processo de integração europeia, bem como aos movimentos separatistas que ameaçam a unidade de alguns estados europeus.

Não admirou, por isso, o empréstimo de mais de 9 milhões de euros que um banco russo forneceu à então Frente Nacional de Marine Le Pen para as eleições de 2015, como recompensa pelo reconhecimento da anexação russa da Crimeia,enquanto Macron se queixava de centenas ou mesmo milhares de ataques informáticos às suas bases de dados e ao sítio oficial da campanha.

Voltando ao parágrafo inicial, talvez convenha recordar que, em 1997, Dugin defendeu que a Rússia deveria invadir e ocupar a Ucrânia como passo indispensável para a construção de um império eurasionista. Um quarto de século depois, Putin está a tentar, com mais esforço do que sucesso, materializar essa ideia. Uma dificuldade que não convém ser do domínio público.

Afinal, Dugin também lhe ensinou que a verdade é relativa e não passa de uma questão de crença. Dito de outra forma: o apoio intelectual é sempre bem-vindo se contribuir para a manipulação da marioneta. E não apenas daquela vestida com símbolos da extrema-direita.