A pouco menos de três meses das eleições para o Parlamento Europeu, o presidente francês, Emmanuel Macron, escreveu uma carta aberta aos cidadãos da Europa. O título, “Para uma Renascença Europeia”, é muito revelador do que se encontra na longa missiva. E são três elementos, dois escritos e um por escrever. O primeiro é um diagnóstico correto e certeiro dos problemas da Europa; o segundo é uma solução à Jean Monet – fugir para a frente em espírito grandioso, independentemente de tudo o que possa ficar por resolver para trás; o terceiro é a questionável legitimidade do mensageiro.

O Diagnóstico. A Europa é um “sucesso histórico” e um “projeto inédito de paz, prosperidade e liberdade”. Tornou-se um “dado adquirido” nas nossas vidas, daí que há muito tenha deixado de alimentar a esperança dos cidadãos. Uma Europa “sem alma” foi armadilhada por “nacionalistas” vazios de propostas que não sejam a de destruir o projeto europeu. Macron toca na ferida: é fácil votar no protesto. Difícil é pôr em prática uma agenda nacionalista no contexto atual. E vai mais longe. A Europa não está sozinha no mundo. Está rodeada de grandes potências que não lhe querem necessariamente bem. Se por um lado “A Europa não soube responder às necessidades de proteção dos povos face aos grandes choques do mundo contemporâneo”, por outro, os estados europeus sozinhos não podem grande coisa. É verdade. O problema é quando se tenta resolver crises com as mesmas receitas de sempre, as mesmas que nos trouxeram até aqui.

A Solução. É isso mesmo que Emmanuel Macron faz. Responde às ameaças com uma grande (grande demais) agenda reformista rumo a uma nova “Renascença” (com letra maiúscula). Debaixo deste chapéu de chuva grandiloquente cabem uma parafernália de novas instituições: mais regras para o espaço Shengen, com uma nova polícia comum de fronteiras e um gabinete europeu para o asilo; um tratado de segurança e defesa com cláusula de segurança coletiva; toda uma nova política económica para o comércio da Europa com os restantes países; um superestado social europeu; um banco europeu do clima; vasto financiamento para a inovação e supervisão de plataformas; a reunião de “painéis de cidadãos” para contribuírem para uma reforma institucional e até, se necessário, dos tratados que mantêm a Europa unida – ainda que aparentemente tudo o que é importante já tenha sido decidido pelo presidente francês.

Tudo isto podem ser excelentes intenções. Mas passam completamente ao lado daquilo que preocupa as populações (diagnóstico) e do que a União Europeia deveria fazer para continuar a ser um projeto viável. As pessoas procuram (i) segurança identitária – daí parte do sucesso dos partidos anti-imigração; (ii) estabilidade económica – daí parte do sucesso dos partidos antieuropeus; e (iii) a proximidade das instituições – daí que nada lhes interesse a constituição de mais instituições com ou sem participação pública.

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Quanto ao projeto europeu, o que é necessário não é expandir a institucionalização, mas sim examinar as duas premissas que estão na base do recente insucesso europeu. A saber, esta ideia de que uma paragem no processo de aprofundamento institucional e alargamento a novos parceiros é a condenação do projeto ao desaparecimento e uma segunda ideia, porventura mais perigosa, que, à parte dos valores europeus, cada vez mais abstratos, a Europa pós-guerra é a-ideológica. Estamos todos de acordo quanto ao que é essencial. Em democracia nunca é assim. Por isso, mesmo que tudo o resto funcionasse, se não estivéssemos numa sucessão de crises que já ultrapassa uma década de duração, mais tarde ou mais cedo, iríamos pagar o preço por nos convencermos que a Europa pode tudo (mesmo o que não é exequível) e que os cidadãos europeus deixaram de pensar politicamente.

O Mensageiro. O último dos dilemas é o próprio Emmanuel Macron. Por três motivos. Em primeiro lugar, o presidente francês representa um dos problemas europeus de que pouco ou nada se tem falado: a fragmentação dos partidos tradicionais europeus. Não há nada contra a proliferação de formações políticas ao centro democrático nos estados do continente. O problema é que essa fragmentação enfraquece as famílias políticas no Parlamento Europeu, já em estado de futura fragilidade, se as sondagens se confirmarem e um terço dos deputados a constituir a próxima assembleia pertencerem a partidos de protesto ou a partidos antieuropeus.

Em segundo lugar, o presidente francês é um péssimo porta-voz desta vontade reformista. Afinal, tentou fazer algo semelhante em França e foi acolhido com uma profunda instabilidade social, mesmo depois do recuo e atendimento às exigências. Os coletes amarelos tornaram-se um símbolo de como tudo pode correr mal na Europa (isto já sem falar de problemas bem mais graves como os bons resultados eleitorais dos partidos de Marine LePen e Jean-Luc Mélanchon).

O que nos leva ao terceiro motivo. É verdade que estes tempos chamam todos os europeístas a defender a sua dama Europa, que, de facto, já conheceu melhores dias. Mas nem o desempenho como presidente francês, nem o lugar que ocupa no seio da União Europeia o legitimam para se dirigir aos cidadãos europeus como se fosse o seu (único) líder. É mesmo destas quase-utopias de um só homem que os cidadãos europeus estão cansados.

Macron tem razão no diagnóstico. A União Europeia enfrenta em maio um dos maiores testes da sua história e a hipótese de ser bem-sucedida é muito pequena. Tem razão na ideia de que a Europa como comunidade tem de ser repensada. Mas desconfio que o europeu comum está cansado de mais do mesmo: corridas para um grandioso Renascimento como solução para todos os problemas, entretanto varridos à pressa para debaixo do tapete. Este erro recorrente está na origem do recente sucesso dos partidos antissistema. Repeti-lo é entregar-lhes a Europa de bandeja.