Jane Austen, seguindo de certa forma a tradição literária de Xenofonte – famoso pensador da antiga Grécia –, dizia ser preferível falar de coisas boas a falar de coisas más. Embora muitos de nós, como eu próprio, sejamos rapidamente levados a rejeitar este tipo de afirmações como ingénuas ou ligeiras, talvez deva ser lembrado que o livro onde Xenofonte faz uma afirmação semelhante é Anabasis, texto que escreve na qualidade de soldado.

Será injusto presumir que Xenofonte ou até Jane Austen – contemporânea das guerras napoleónicas e do colonialismo britânico – desconheciam coisas más ou terríveis, próprias de momentos históricos de exceção, dos quais, uns mais que outros, mas infelizmente todos nós temos tido exemplos recentes; ou dizer que eram escritores ligeiros ou superficiais. Porquê então preferir falar de coisas boas a coisas más?

Poderá ser dito que é simplesmente absurdo falar apenas de coisas positivas. As coisas menos boas também existem e, enquanto tal, têm de ser abordadas. Coincidentemente ou não, é nos momentos de maior aflição, nos momentos de exceção, que a comunicação parece adquirir uma propriedade ainda mais cobiçada, nomeadamente, a eficiência: algo extremamente valioso quando o tempo urge ou a margem para fracassar é drasticamente reduzida.

Só é possível compreender a preferência de Jane Austen ou, para esse efeito, de Xenofonte, observando que a mesma não está circunscrita aos momentos comuns da vida das sociedades, das famílias e dos indivíduos, mas que se estende de igual modo aos excecionais. Indo um pouco mais longe, para compreender os dois autores é necessário observar que a sua preferência radica de uma atitude muito característica de procurar o prazer nas coisas boas. Uma postura evidenciada no bom humor, tanto mais prezado quanto maiores forem os infortúnios, tanto mais convicto quanto maior for a tentação de sucumbir aos sortilégios aparentemente inadiáveis do dramatismo.

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Na dosagem certa, para não se tornar incomoda ou ser mal-interpretada, essa postura traduz-se, mais que num cuidado exclusivo com o conteúdo ou com a substância, numa preocupação com a forma da comunicação. Será por isso que preferir falar de coisas boas é desde logo uma forma de docilidade ou gentileza da alma, também percetível pelas outras pessoas enquanto modo de comunicar, tanto que não seja porque um cuidado com a forma é, antes de mais, um cuidado emocional com o outro.

A virtude da docilidade ou gentileza da alma poderá existir, num primeiro momento, no emissor da mensagem, que reúne a informação relevante e mede bem as suas palavras. Num segundo momento, no mensageiro, que avalia a melhor forma de a entregar e, por fim, no próprio recetor ou destinatário, que procura fazer a interpretação correta e, desse modo, sinalizar de volta ao emissor comportamentos ou opiniões.

Porque a forma da comunicação repercute-se, não apenas nos outros, mas também em nós próprios, podemos compreender, não só o tom dos romances de Jane Austen, como a afirmação de várias das suas principais personagens: “Não há charme igual à ternura do coração”.