Não deixa de ser irónico, que aqueles que muito falam sobre o dever de cumprir a Constituição, se esqueçam que, desde 1997, sessão após sessão legislativa não se cumpra a dita, numa matéria relevante para o melhoramento da nossa democracia que, desde essa data, ficou plasmado na nossa Lei Fundamental. Recorde-se;

Artigo 149.º
Círculos eleitorais

1. Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais, bem como a respectiva natureza e complementaridade, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos.

2. O número de Deputados por cada círculo plurinominal do território nacional, exceptuando o círculo nacional, quando exista, é proporcional ao número de cidadãos eleitores nele inscritos.

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Ou seja, a situação que se vivia em Portugal, em 1997, fazia já com que fizesse sentido uma modificação da Constituição, de forma a permitir uma alteração que, a cada ano que passa, se torna mais necessária: Portugal necessita de corrigir o seu sistema eleitoral. O actual está esgotado e não responde a uma sociedade que mudou bastante nos últimos 45 anos. Preconiza-se, assim, uma reforma que assente em dois pilares: (i) criação de círculos eleitorais – dentro dos actuais distritos – com sistema de duplo voto, uninominal e plurinominal; (ii) e criação de um Círculo Nacional de Compensação.

Esta solução tem a vantagem de aproximar eleitos de eleitores sem afectar a proporcionalidade e sem os inconvenientes de se ter apenas listas uninominais (caciquismo, financiamento, legitimidade uninominal).

Não se propõe, pois, o abandono da proporcionalidade, mas sim, conjugá-la de uma forma efectiva. Um sistema de duplo voto (num só boletim), cada um deles para eleger metade do Parlamento, o primeiro com método proporcional de Hondt e o segundo com método maioritário (boletim de voto para um círculo eleitoral acima apresentado).

A criação dos círculos uninominais em Portugal, terá que resultar do desdobramento dos 18 distritos no Continente e das duas regiões autónomas. Estas 20 “entidades” regionais devem desdobrar-se em 105 círculos uninominais, de forma a serem responsáveis pela eleição de 210 deputados (105 através da escolha de um partido ou coligação e 105 através da escolha de um nome pertencente a um partido ou coligação). Este desdobramento deve levar em conta, não só a população, mas, igualmente, o território – ou seja a densidade por quilómetro quadrado – de forma a permitir que o interior desertificado não fique sem representação no Parlamento.

O actual sistema, cuja representação na Assembleia resulta em exclusivo da população existente em cada momento em cada distrito, implica que tenhamos uma parcela muito considerável do nosso território sem qualquer representação, votando ao abandono as populações cada vez mais exíguas e idosas e permitindo que uma parte significativa do território nacional fique de fora das preocupações do legislador.

Abaixo, apresenta-se – a título de exemplo – um quadro, para determinação dos círculos eleitorais uninominais, por distrito, tendo em conta a densidade populacional. (Nota: com excepção dos círculos fora do território, cada distrito/Região Autónoma, terá que eleger – no mínimo – quatro deputados).

Como se pode constatar no quadro acima, existem distritos que “perdem” deputados em detrimento de outros. Assim terá que ser, se não quisermos aumentar o número de deputados (o que não se deseja). Trata-se, no fundo, da “transferência” de – algum – poder dos grandes centros para as periferias, para o nosso interior desertificado que, desta forma, ganhará outra voz, outra força.

A diferença negativa – num total de 16 – apresentada, é “aproveitada” para os mandatos do Círculo Nacional de Compensação, pelo que os números finais por distrito só podem ser calculados após a repescagem. Diga-se, igualmente, que, de forma a não ferir a integridade nacional, os concelhos não serão truncados. Existirá, sim, uma junção para que, na medida do possível, sejam cumpridos os critérios para a criação dos círculos.

A proposta que aqui se apresenta, deriva, em parte, de soluções já em vigor noutros países, nomeadamente na Alemanha. São, por conseguinte, conhecidos alguns dos problemas que da mesma podem advir. Um deles – porventura o mais importante – tem a ver com os supranumerários, ou seja, a hipótese, algo remota, de existirem distritos que, por força da conjugação do voto uninominal, elejam mais do que a quota a que o seu distrito tem direito. Se tal acontecer, podem os mesmos ser absorvidos pelo número adstrito ao círculo de compensação.

Abaixo, apresenta-se um quadro do que seriam os eleitos – na hipótese de não existirem supranumerários.

Voto Plurinominal Voto Nominal Total
Distritos Continente + Regiões Autónomas 105 105 210
Círculo Europeu 2 2
Círculo Fora da Europa 2 2
Círculo Nacional de Compensação 16 16
Total 125 105 230

Como se pode ver, com esta proposta, o número total de deputados não é alterado. O discurso, decorrente, de termos deputados a mais, não cola à realidade, como se pode concluir da leitura do quadro abaixo.

Naturalmente que os Estados maiores têm tendência para ter um número de eleitores por deputado superior aos Estados pequenos. Dos Estados da UE com dimensão próxima da portuguesa em termos de número de eleitores, Portugal é o primeiro país com mais eleitores por deputado.

Por outro lado, uma redução do número de deputados originaria um grande problema de sub-representação do interior com grandes problemas de desertificação, para além de originar uma compressão muito relevante da proporcionalidade.

Acresce que, para um eficiente funcionamento de todas as comissões parlamentares é necessário um número de deputados próximo do actual, pelo que uma eventual redução do número de deputados poderia levar a uma menor qualidade do trabalho parlamentar. Tudo o resto é populismo de partidos que pretendem, com o pretexto da diminuição de deputados, comprimir o grau de proporcionalidade do sistema.

Cumpra-se Outubro para, de uma vez por todas, se cumprir Abril.