Nestes tempos de indiscutível sucesso de populistas como Bolsonaro, Trump, Iglésias e tantas outras personagens do mesmo tipo mais próximas de nós e que me abstenho de nomear, gostaria de fazer uma singela reflexão sobre o fenómeno e, talvez, meter um pouco de racionalidade no assunto. Só isto me parece suficientemente original para justificar que alguém se dê ao trabalho de escrever sobre o assunto, porque tudo o que lemos e ouvimos são, ou ofensas aos eleitores, que são corridos a quase tudo abaixo de imbecil; ou ofensas aos protagonistas, que sem prejuízo do tradicional imbecil, vai de tudo até ao bigodinho quadrado por cima da beiça superior fazendo lembrar um filho de outra mãe.

Se me é permitido, gostaria de começar pelos últimos, pelos fascistas-imbecis-nazis-populistas-xenófobos-racistas-homofóbicos. Vamos admitir que não é particularmente inteligente da nossa parte admitir que um empresário caído muitas vezes e tantas outras levantado, como Donald J. Trump, ou um académico de sucesso, como Pablo Iglésias, sejam burros. Burros é que não são de certeza e o seu sucesso pessoal mostra isso de forma gritante. Repare-se que tanto um como o outro poderiam fomentar o ódio aos brócolos, aos baixotes ou aos pezudos. Do ponto de vista teórico da tática populista continuavam perfeitamente nos limites da craveira e no que ao fomento do ódio diz respeito, no mesmo nível que estão hoje. Mas não, eles sabem perfeitamente onde colocar os ódios. E repare-se que nem precisam de ser particularmente coerentes. Veja-se o caso Iglésias, tantas vezes enterrado em escândalos de financiamentos de estados estrangeiros para o combate à monarquia espanhola e passa a vida a clamar contra os financiamentos ilegais dos políticos de direita, ou os casos de “amizade” de Trump com a cleptocracia russa, o seu suposto inimigo externo, ou as suas cruzadas moralistas que tropeçam nas barreiras da sua própria vida pessoal. Se virmos bem, são grotescamente incoerentes e tão mentirosos que só por superlativa boa vontade se deixam passar tais pecados. Mas de onde vem tanta boa vontade?

Isto traz-nos aos primeiros, aos eleitores que os sustentam. E se já é suficientemente estúpido assumir que os fascistas-imbecis-nazis-populistas-xenófobos-racistas-homofóbicos são burros, então partir do mesmo princípio relativamente aos eleitores é perfeitamente irracional. Como Trump e Iglésias sabem bem, a política é feita de escolhas, mas de escolhas finitas. Ao eleitorado não é dado o inteiro domínio de possibilidades, mas apenas uma pequeníssima amostra daquilo que, no abstrato, poderia ser a gama de escolhas. É esse, por exemplo, o “mérito” da nossa pequenina política, o estabelecimento quase imutável de um domínio controlável de escolhas possíveis. Dentro dessa amostra vence aquele que, de forma honesta ou não, enderece as prioridades das pessoas. Sejam estas prioridades de racionalidade duvidosa ou não.

Não é credível que um qualquer eleitor não saiba que há “baixotes” (vamos colocar assim para não ferir suscetibilidades socio-étnico-sexuais) que não são criminosos, que não são todos os “baixotes” que se dedicam ao crime ou à mendicidade. Mas se o crime perpetrado por “baixotes” passar a ser um problema, então o combate aos direitos fundamentais começa a afigurar-se aceitável. É verdade que se vai ser injusto com centenas ou milhares de “baixotes”? Claro que sim, mas esse não é um problema “meu”. Se o problema não é resolvido da forma correta e racional, então a irracional serve perfeitamente para resolver o “meu” problema. Por isso, entre alguém que se coloca num discurso redondo sobre a criminalidade e alguém que me promete tirar os “baixotes” da frente, vou pelo segundo. Não há nenhuma dúvida no eleitor sobre a injustiça da sua decisão ou sobre as consequências da sua escolha sobre uma enorme comunidade de “baixotes” que tiveram o “azar” de nascer “baixotes”. Mas o tempo de resolver da forma racional já passou. O pasto da irracionalidade é a racionalidade ineficaz.

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Trazendo para um caso mais próximo, a mim não me passa pela cabeça que haveria um qualquer génio das epistemologias do Sul que, ao abrigo de alguma abertura a teorias pseudocientíficas de igualdade de género, fosse a uma escola básica fazer um inquérito a crianças de 9 anos sobre as suas orientações sexuais. Tirando a óbvia escassez de células cerebrais do autor, não consigo pensar noutra causa para isto que não a tolerância excessiva a intrujices intelectuais que foi sendo dada aos poucos e que gerou esta pandemia de falso conhecimento que grassa pela academia deste mundo.

Naturalmente, depois deste episódio, estou muito mais aberto a propostas que envolvam medidas mais irracionais, mas que resolvam o problema de vez. A hipótese de encerramento puro e simples das faculdades de ciências sociais, se possível com alguma agressividade associada, começa a tornar-se simpática. Sei perfeitamente que estou a ser injusto com umas centenas largas de pessoas bem-intencionadas e de seriedade imaculada, mas essas não me resolveram o problema. Nesta fase dos acontecimentos, elas já não fazem parte da minha lista de prioridades. E reparem quão pequeno e circunscrito é o caso de que estamos a falar. Se fizermos a projeção desta minha sensação para um ambiente em que as pessoas vivem em fortalezas, se deslocam em carros com segurança e veem os criminosos a governar as ruas, não é complicado perceber que tipo solução se enquadra bem nas suas prioridades. Mesmo sabendo elas que centenas ou milhares de inocentes vão ser injustiçados. A racionalidade de “mais vale arriscar-me a salvar um criminoso que condenar um inocente” perdeu-se, para elas, há 2000 homicídios atrás.

Se não queremos que a democracia esteja na lista dos regimes de má-fama, devemos garantir que a racionalidade não se torne ineficaz. Não devemos culpar os “baixotes” por serem “baixotes”, mas não devemos evitar culpá-los porque o são. Não devemos tomar como racional toda a intrujice “intelectualóide” que nos é vendida só porque veio de uma universidade. Normalmente, as pessoas sabem bem o que fazem sem que seja necessário impor-lhes uma modernice qualquer. Se for verdade aquilo que querem impor, a sociedade vai adotar no seu tempo e à sua velocidade, sem que as prioridades de cada uma das pessoas sejam atropeladas. Fazer perguntas a uma criança de 9 anos se tem tendências homossexuais vai gerar em casa o efeito contrário. Posso confessar que, no meu caso, a compensação seria feita de forma que a minha criança tivesse repulsa sobre aquilo que lhe estavam a perguntar. Gosto? Não, mas gosto menos do que lhes está a ser sugerido.

Democracia é simplesmente o respeito pelas prioridades de todos e a arbitragem das prioridades conflituantes. A homossexualidade já não é um problema para ninguém, não precisa da ajuda destes “estudiosos” para que se torne novamente um. Porque ao abrir esta brecha, não vai faltar um tipo inteligente que vê aí a oportunidade de se tornar a resposta aos “meus” problemas. E eu vou aceitar a solução que ele me der, independentemente dos custos que isso terá para alguns dos outros. Mais, a minha tolerância a soluções mais irracionais vai crescendo à medida que os problemas não são resolvidos. O facto de no Brasil já se aceitar um candidato que se reclama como combatente da homossexualidade (seja lá o que isso for) deriva da tolerância, não à homossexualidade, mas à imposição de teorias “imbecilóides” sobre a homossexualidade que atacam as prioridades de quem não é.

É verdade que não devemos dar a democracia como adquirida. Mas é bom não esquecermos que nunca houve nenhuma ditadura que não tivesse um enorme suporte popular, a começar pela nossa. Liderada por um académico brilhante que soube colocar as prioridades das pessoas à frente das modernices que lhe eram vendidas, ainda que com isso arrastasse para a infelicidade milhares de outras. As pessoas não esperam muito para lá daquilo que lhes é devido e que não vai muito para lá de lhes permitir viver como podem e em paz. E se acham que Trump ou Bolsonaro são fascistas, esperem pelo próximo se estes não forem bem-sucedidos na satisfação das prioridades das pessoas.

(As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente o seu autor)
PhD em Física, Co-Fundador da Closer, Vice-Presidente da Data Science Portuguese Association