Sensivelmente há um mês, ouvi e li com atenção as declarações do Eng. António Costa Silva, consultor do Governo, amigo do Primeiro-Ministro, a quem foi solicitado o desenho de um programa de recuperação económica para Portugal.

Retive a sua defesa na necessidade de se apostar forte nas infraestruturas ferroviárias, assente na bitola europeia, de modo a evitar que Portugal se transforme, no campo do transporte de passageiros e de mercadorias, numa ilha ferroviária.

Não podia estar mais de acordo. Portugal tem de ter acesso imediato aos corredores ferroviários internacionais, fator decisivo para não ficarmos para trás no âmbito da coesão, mobilidade e interoperabilidade entre países.

A minha satisfação foi exagerada e de curta duração. Um mês depois, este modelo de desenvolvimento da ferrovia desapareceu do programa para dar lugar a uma proposta de TGV entre Lisboa e Porto.

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É uma pena. Os corredores ferroviários internacionais são dotados de comboios modernos, confortáveis e de velocidade elevada. Não os confundamos com o TGV. Aliás, temos de parar de confundir o investimento em bitola europeia com a construção de projetos de TGV.

Da mesma forma que numa autoestrada tanto circula um Ferrari como um Smart, num aeroporto tanto aterra um Airbus como um Cessna, numa linha de comboio tanto deve circular um Comboio de Velocidade Elevada (até 250 Km), como o intercidades ou um regional. Bitola europeia representa a medida do carril, nunca o tipo de comboio que circula no carril.

É uma pena, e de todo incompreensível, que o Governo português não siga o padrão europeu e, ao invés, opte por investir no percurso internacional em bitola ibérica de via única. Pior, esta bitola ibérica passará a ser só portuguesa, pois a partir de 2023, a Espanha irá abandoná-la nos principais corredores. Apenas Portugal ficará com ela, numa verdadeira e temível ilha ferroviária.

O que é que ganhamos? Nada, antes pelo contrário, só perdemos. Desperdiçamos fundos comunitários que podem chegar aos 85% a fundo perdido.

Não ganhamos nada em termos de boas práticas ambientais, nem em torno da tão propalada transição energética, pois esta solução não contribui para a retirada de milhares de camiões das estradas.

Não ganhamos nada, pois os nossos portos continuarão desligados da Europa. Se os portos portugueses, onde foram efetuados avultados investimentos, não assegurarem conexões ferroviárias rápidas e de grande capacidade, Portugal não será a porta de entrada dos cerca de 70% do comércio marítimo mundial, que circulam no Atlântico na nossa Zona Económica Exclusiva.

Não é por acaso que a Espanha está a apostar numa transformação significativa nos seus transportes ferroviários em bitola europeia e na construção de plataformas logísticas (portos secos) próximo das nossas fronteiras (Vigo, Salamanca e Badajoz). Dentro em breve, os portugueses residentes em Trás-os-Montes estarão a uma hora e um quarto de Madrid e, em 2023, a bitola europeia ligará Madrid a Badajoz em menos de duas horas, colocando qualquer destas regiões do nosso interior, em termos de acessibilidade, mais próximas de Madrid do que Lisboa.

Portanto, não ganhamos nada em insistir neste erro estratégico e comprometemos, irremediável e severamente, o futuro das nossas empresas e a competitividade da nossa economia.

Voltando ao inicio, há um mês tínhamos o consultor do Governo apostado em modernizar a ferrovia em bitola europeia. Agora verificamos que o programa é menos ambicioso e reduz-se a uma proposta de TGV entre Lisboa e Porto.

Por outro lado, temos o Ministro das Infraestruturas, em negação face às evidências que se verificam em Espanha, a insistir que não existe um problema de bitola.

Em que ficamos? Ficaremos sempre mal, mas ainda assim, importa saber se enveredamos pela estratégia do ministro – sozinhos e alegremente em bitola ibérica, numa espécie de ilha ferroviária? Ou se pela estratégia atual do consultor – completamente desligados da Europa, mas com um TGV entre Lisboa e Porto?

No mínimo é esta a resposta que António Costa o Primeiro-Ministro, deve ao país.