Correndo o risco de me repetir, 2019 terminou como era de esperar, especialmente em ano de eleições legislativas. O PS confirmou, pois, ser um partido clientelar e corporativo, manchado por sucessivas situações que ficaram por esclarecer, como sucede com o caso Sócrates, que acusado há cinco anos continua por responder publicamente às graves acusações de que é alvo com os seus alegados cúmplices!

O populismo das medidas iniciais de reversão das mudanças realizadas durante a crise provocada pela «bancarrota» socialista, destinou-se a aliciar os cúmplices do governo de António Costa. Uma vez ganho o apoio deles, o PS regressou à sua dupla matriz, que reside em conciliar o corporativismo eleitoral, nomeadamente através da chamada «concertação social», e o respeito devido às normas e aos fundos da UE. Assim foi e continuará a ser com a actual constelação de poder.

Após quatro anos de sucessivas incapacidades políticas, das quais os fogos e as inundações foram exemplos que se podem repetir, e de decisões danosas tanto do ponto de vista económico e financeiro como social e cultural, verifica-se que a reversão sistemática das medidas tomadas perante a irresponsabilidade do PS de 2005 a 2011, não só não resolveu nenhum dos problemas do país como continuamos a enfrentá-los sem solução à vista.

Comecemos pelas últimas eleições que iam dando a maioria absoluta ao PS apesar de ter tido menos de 2 milhões de votos em mais de 10 milhões de inscritos… Estas eleições são um bom exemplo dos problemas político-partidários que temos fugido a confrontar. O primeiro é a desactualização de um sistema eleitoral com mais de 40 anos cuja representatividade está hoje muito reduzida. Como aqui indiquei, a representação real do eleitorado que se deslocou às urnas já não esconde a fragmentação dos partidos.

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Além de iniquamente representado, o corpo eleitoral residente em Portugal está inflacionado por conhecidos motivos clientelares: com efeito, há 9,3 milhões de inscritos numa população residente de 10,2 milhões à qual têm de ser descontados milhão e meio de menores de 18 anos e meio milhão de estrangeiros sem direito a voto, ou seja, o corpo eleitoral real tem menos um milhão do que consta nos cadernos eleitorais, para não falar do caso absurdo dos emigrantes!

Consequências: em primeiro lugar, os abstencionistas são afinal bastante menos do que se julgava, embora ainda fossem 37,5%. A estes é preciso acrescentar, porém, 8% de votos brancos e nulos ou sem representação (400.000 eleitores): ao todo 45,5% de eleitores marginais ao sistema; em segundo lugar, há três partidos que ficaram sem representação devido à desproporcionalidade crescente do sistema eleitoral, o qual, se tivesse funcionado melhor, teria levado doze partidos ao parlamento com uma distribuição dos 226 deputados eleitos em Portugal bem mais equitativa do que a actual: basta dizer que o PS, sendo o vencedor, só teria 88 deputados…

Quanto ao orçamento, o professor João Duque acaba de confirmar que, assim como os anteriores orçamentos se revelaram muito diferentes do que havia sido votado, também o orçamento apresentado para 2020 pouco terá que ver com o balanço final a fazer em 2021. O mais provável é o PS recorrer a captivações de última hora, como fez antes, a fim de apresentar um superavit orçamental microscópico!

Uma coisa é certa: nem o financiamento do sistema de saúde nem as reformas e pensões atribuídas a quase 3 milhões de beneficiários se resolverão tão cedo, agravadas como são pelo envelhecimento demográfico deliberadamente ignorado pelos governos. Neste momento, já absorvem mais de 21% do PIB. Por sua vez, 26% do PIB estão consignados a perto de 700 mil funcionários públicos. Juntando 3% saídos directamente do bolso dos particulares em gastos de saúde, estas rubricas representam metade do PIB!

Por estas e por outras, a dívida não tem sido amortizada nem a distribuição clientelar do orçamento chega para as encomendas do PS. Numa situação destas, não é de surpreender que o investimento tenha caído para 17% depois de ter atingido 32% no tempo de Cavaco Silva! Quanto a duas outras rubricas críticas para o país, a educação e a habitação, as promessas mirabolantes do governo estão há muito decididas em favor do mercado, ou seja, mais uma vez dos recursos dos particulares. Daí a redução da poupança a 5% do PIB que já chegou a mais de 20%.

Se os dados políticos e económicos estão pois jogados, apesar do ruído mediático em torno de questões como o ambiente e a deriva politicamente correcta, é previsível que o governo mantenha a sua dupla rota oportunista entre o corporativismo clientelar para consumo interno e a mendicância perante a UE.