Bem sei que ainda é quarta-feira, mas já sinto no ar um cheirinho a fim de semana. Não notam? É aquele aroma a prisão domiciliária, à qual o nosso Governo decidiu condenar-nos entre 30 de Outubro e 3 de Novembro. Mas, desta vez, a pena vem com nuances. Se bem percebi, ir de carro dar uma volta a outro concelho e voltar para casa é proibido. Já ir de carro dar uma volta a outro concelho, com paragem para assistir a um espectáculo cultural com centenas de pessoas num local fechado, e voltar para casa é perfeitamente legal. Portanto, por estes dias, um bilhete para um espectáculo cultural é um passaporte para a liberdade. Bem, se não é no próximo fim de semana que os teatros portugueses se enchem de gente para ver aquelas peças que, em tempos de alguma sanidade, ninguém sonharia ver, não sei quando será.

Parece que a grande preocupação do Governo era que, em fim de semana de Finados, as pessoas saíssem dos seus concelhos para visitarem os seus familiares nos cemitérios. Portanto, recapitulando. Sair do concelho para assistir a um espectáculo cultural num recinto fechado, impecável. Sair do concelho para visitar um familiar no cemitério, onde grande parte das pessoas está a uma bastante segura distância de sete palmos de terra umas das outras, nem pensar. Trata-se de uma reedição da clássica película Fim de Semana com o Morto, mas desta feita sem o falecido.

Outra estreia nas novas medidas de aprisionamento, perdão, de condicionamento da circulação dos portugueses é que não é preciso um declaração da entidade patronal para justificar deslocações em trabalho. Basta que o cidadão declare “sob compromisso de honra” que vai trabalhar. Felizmente, alguns profissionais estão isentos desta obrigação, nomeadamente os deputados. Está bem visto, porque para um vasto leque de parlamentares seria muito aborrecido serem parados pela polícia e terem de aldrabar duplamente a autoridade. Primeiro teriam de admitir ser possuidores de honra e depois teriam de tentar convencer os polícias de que iam mesmo trabalhar. Não sei que agente da autoridade cairia em tal patranha.

Entretanto, hoje será aprovado, à rasquinha, o Orçamento do Estado, também graças às abstenções das deputadas não inscritas Cristina Rodrigues, que concorreu pelo PAN, e Joacine Katar Moreira, que concorreu pelo Livre. Este Orçamento traz por isso à memória o de 2001, era António Guterres Primeiro-Ministro. Na altura, o Orçamento foi aprovado graças à abstenção do deputado Daniel Campelo, tendo ficado conhecido como o Orçamento do Queijo Limiano. Curiosamente, também este Orçamento para 2021 tem algo a ver com o delicioso lacticínio derivado do leite coalhado. É que, tanto PAN como Livre, devem andar a comer imenso queijo para ver se se esquecem destas duas estupendas escolhas que fizeram para os seus grupos parlamentares.

A estupenda escolha do estupendo PAN, Cristina Rodrigues, foi assessora de uma organização chamada Intervenção Resgate Animal, mais conhecida, simplesmente, por IRA. Ao observador menos atento dos activismos nacionais, o nome IRA mais depressa remeterá para o histórico grupo terrorista Exército Republicano Irlandês, também ele comummente conhecido por IRA. Acaba por ser uma coincidência desagradável para os nossos defensores da bicharada. Deixo por isso uma sugestão para um nome alternativo para a sua organização: Acção Libertação Que Assombrosa Endeusação Do Animal. De forma simplificada, Al-Qaeda. Que consideram?

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