“Eu proponho que a própria deputada Joacine seja devolvida ao seu país de origem. Seria muito mais tranquilo para todos… inclusivamente para o seu partido! Mas sobretudo para Portugal”.

A generalidade das opiniões sobre o post publicado por André Ventura no seu Facebook, diz que isto é como ordenar a Joacine Katar Moreira “vai para a tua terra!”. Não me parece. “Vai para a tua terra!” é uma ordem e implica que Joacine obedeça. Ora, como já se percebeu, Joacine não vai a lado nenhum por obrigação, só faz o que lhe apetece. Daí Ventura falar em devolução. Não só aproveita para retirar agência a Joacine, tratando-a como uma encomenda (referir-se a um africano como uma mercadoria é um conceito racista com carga histórica que deve agradar a alguns dos seus eleitores), como ainda evita ter de se dirigir pessoalmente a ela. É que “vai para a tua terra!” seria uma interpelação directa e Ventura não tem audácia para isso. Prefere dizer “seja devolvida”, sem especificar, digamos, o fiscal alfandegário. Ventura acumula a cobardia de mandar bocas online, a miúfa de o fazer indirectamente e a tibieza de não se comprometer em pessoa. Parece um esquilo a aforrar para o Inverno, só que, em vez de avelãs, atafulha as bochechas com pusilanimidade.

É por isso que não faz sentido dizer que o post é conversa de tasca. Na tasca fala-se cara a cara e quem o faz tem de encarar o alvo, sem medo – e sem vergonha do mau hálito causado pela ingestão prolongada de zurrapa. Ventura não tem coragem para se dirigir a Joacine e dizer-lhe o que escreveu na Internet. Nem sequer num daqueles apartes chistosos com que os deputados pontuam as intervenções uns dos outros. Isto é só bravata de teclado. É facebazófia.

Entretanto, tem-se dito que André Ventura e Joacine Katar Moreira se alimentam mutuamente. Que, com as suas polémicas, chamam a atenção mediática um para o outro. Isso até pode já ter acontecido, mas neste caso da resposta de Ventura a uma proposta de JKM, só se pode dizer que se alimentam um ao outro na medida em que um agricultor alimenta uma galinha com milho, enquanto a galinha vai alimentar o agricultor com a sua própria chicha. O que o agricultor faz nem é bem alimentação, é engorda.

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Querer equivaler uma resposta racista a uma proposta política é uma forma de justificá-la. Com as devidas distâncias, é mais ou menos o que fazem aqueles que, depois dos ataques ao Charlie Hebdo ou à Porta dos Fundo, têm o cuidado de, ao mesmo tempo que condenam o atentado, referir sonsamente que os desenhos eram “ataques ao Islão” ou o filme era um “ataque à Igreja”. O objectivo dessa equivalência é justificar a violência, dizendo que se trata de uma resposta a uma ofensa muito grave.

Como é óbvio, não estou a dizer que a resposta de Ventura é igual a um atentado. Não é, evidentemente. Apesar de cobardolas, Ventura não responde com violência. Já alguns dos seus correligionários são do tipo que tem esse péssimo hábito. Sejam os dirigentes do Chega que militaram em organizações nazis, sejam os apoiantes que fazem a saudação romana em comícios do partido, como aquele entusiasta das imagens que surgiram de um comício do Chega, que faz um vigoroso sieg heil! a Ventura.

Na fita “Indiana Jones e a Grande Cruzada”, assim que o herói descobre que há nazis nas redondezas, diz: “Nazis. I hate these guys”. Não precisa de esperar para descobrir o que andam a fazer por ali, não lhes dá o benefício da dúvida. E reparem que Indiana Jones é arqueólogo. O seu trabalho é escavar túmulos onde malta bera fez todo o tipo de maldades ao longo da história. Mesmo assim, abomina nazis acima de todos.

O problema de um tipo se dar com nazis é que é impossível que não lhe ponham a alcunha “o tipo que se dá com nazis”. A não ser que possua um atributo físico tão saliente que suplante a amizade com nazis como característica definidora. Ainda assim não tenho certeza, o nazismo é uma espécie de gene dominante. Mesmo um coxo vesgo que conviva com nazis, vai ficar conhecido como o “coxo vesgo que se dá com nazis”.