Dylan Thomas tem um poema, acima de todos quantos escreveu, mais lido, mais dito, mais traduzido, mais familiar, ao ponto de fazer parte de filmes, ser título de livro, de o sabermos de cor: Do not go gentle into that good night/ Rage, rage against the dying of the light. Se não o sabemos todo, conhecemos pelo menos estes dois versos. Talvez este poema seja também a chave para o tempo político que vivemos.

A prevista onda vermelha, aquela que indicaria a esmagadora vitória do Partido Republicano nas eleições intercalares, não aconteceu. Os norte-americanos foram claros na sua decisão de não aceitarem passivamente a perda dos ideais luminosos da democracia.

Mais importante do que qualquer especulação são os factos. O Partido Republicano tem sido vítima da tomada de poder pela ala radical da sua base que está em conflito com a tradição republicana e com a elite do próprio partido. O movimento MAGA, o QAnon, os evangélicos fundamentalistas, os supremacistas e ultranacionalistas, numa massa de múltiplas intersecções capitalizadas por Trump, têm interferido directamente, desde as redes sociais aos media, do assalto ao Capitólio ao ataque ao marido de Nancy Pelosi, no tecido da própria democracia. Se lhes somarmos as intervenções estrangeiras, com a Rússia e a China à cabeça, e a subsidiação pelas gigantescas fortunas, mais ou menos tecnológicas, para quem a submissão à lei é uma afronta à liberalidade económica, percebemos como e porquê. De igual forma, e igualmente permeável a intervenções estrangeiras e manipulações várias, o lado extremo-esquerdo do Partido Democrata com a sua agenda woke-tribalista, anti-globalista e anti-capitalista na sua senda anti-democrática. A esta polarização da agenda política e social, e do discurso político, um grande número de eleitores disse não.

Muito provavelmente os Republicanos ganharão a Câmara dos Representantes enquanto o Senado permanecerá, estima-se, empatado, mas com o voto decisivo para os Democratas.

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Biden tem, nesta altura como tem tido ao longo de todo o ano, uma baixíssima aprovação pública, desceu para perto dos 40%. A isto soma-se a inflação e a perda de poder de compra. Ainda assim, as eleições intercalares que tendem sempre a penalizar a administração em funções, não estão a penalizar o Partido Democrata. Têm, sim, penalizado os candidatos apoiados por Donald Trump – que pretende anunciar a sua candidatura à presidência dentro de poucos dias.

Até agora os grandes vencedores são, sem dúvida, Biden, John Fetterman e, pelo lado Republicano, Ron DeSantis, na Flórida, aí, sim, numa onda vermelha que deixou o seu rival a 20% de distância.

Ron DeSantis, sobre quem dizem ser «Trump with brains» será, muito provavelmente, candidato à presidência em 2024. Pelo menos disputará as Primárias. A maneira como tem sido projectado pela imprensa republicana, a mais extremista e a mais moderada, é um indicador de que está a servir para fazer a ponte entre a base e as elites do partido que andam desavindas. Mas a verdade é que DeSantis, a despeito de uma educação de elite em Yale e Harvard, vem do basismo do tea-party, cavalgou a onda trumpista com laivos devocionais e, muito convenientemente, afastou-se de Trump sem perder o apoio da direita conservadora e dos movimentos mais radicais. As posições de DeSantis têm sido inequívocas: o governo não deve interferir na economia; as políticas redistributivas são inconstitucionais; o apoio ao movimento anti-vacinas, ou contra a obrigatoriedade das mesmas, sob o lema «freedoom over faucism»; e, acima de tudo, a defesa do voto como privilégio de alguns e não como um direito de todos. E é aqui que a chama, em definitivo, se apaga.

Aproveitemos, então, este momento de alívio para respirar.

A autora escreve segundo a antiga ortografia