O desejo incontrolado por acumular dinheiro é um transtorno psicológico severo que pode afetar qualquer pessoa. Até socialistas. Ou ministros. E também ministros socialistas. Nem sequer é produto do sistema social e económico, ao contrário do que dizia o velho Marx, pois não só afeta pessoas em sociedades já a meio caminho para o socialismo, como a nossa, em que o Estado absorve cerca de metade do produto, mas também ataca indivíduos inseridos no “modo asiático de produção”, conceptualizado por Engels, como o seguinte episódio, relatado por Ejima Kiseki 江島其磧 (1666—1735) demonstra:

“Há já algum tempo viveu na cidade imperial – a cidade das artes e do supremo requinte – um velho que não possuía qualquer sentido do belo e tinha por único prazer na vida a acumulação de vil moeda. Ali, naquela metrópole cheia de oportunidades, onde qualquer um se podia cruzar com os mais célebres poetas e pintores, bonzos e médicos, matemáticos e filósofos, e se podia tornar discípulo de um dos numerosos mestres em qualquer área de atividade, quer fosse da mão, quer fosse do intelecto, vivia Koishiya Mataemon. Habitava até no mesmo quarteirão onde Matsunaga Teitoku [松永貞徳 (1571—1654), poeta que revolucionou e popularizou a forma poética do haikai] vivia, na freguesia de Hanasaki. Aliás! Habitava na casa mesmo ao lado daquela onde residia o poeta! Os dois foram vizinhos nada menos que quarenta anos.

“Pensava o velho: ‘Teitoku pode viver mesmo aqui ao lado, mas nunca na vida irei pleitear ninguém. Assim, nunca lhe irei pedir que me escreva um haikai, nem ele receberá de mim um rin sequer.’

“Os dois podiam viver paredes-meias há já muitos anos, mas o facto de Teitoku compor haikai a pedido dos seus muitos admiradores, seguidores e discípulos, apenas indicava, segundo o velho pateta, que era um jurista arguto, muito demandado por quem se tinha envolvido em disputas legais. Se até mesmo naquela refinada capital se pode encontrar um ignorante excêntrico como este, como se pode alguém espantar de encontrar rústicos e sem maneiras noutros locais?

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“Vivia ele naquela cidade requintada e ali ganhava a vida, convencido de que não havia nada de mais importante que o seu negócio. Apesar de não lhe interessar o desabrochar das flores de cerejeira na Primavera, tinha escolhido usar roupa de algodão com padrões floridos, porque durava mais, e usava-a todo o ano, no Verão e no Inverno. O ábaco servia-lhe de entretenimento durante o dia, de companheiro às refeições e de almofada à noite. Apesar de a avançada idade o ter deixado raquítico e enrugado como um salmão seco, a cabeça não tinha perdido nada, a não ser o cabelo e os dentes. E em vez de se preparar para o mundo futuro, mantinha os olhos firmemente fixos neste. Desde a juventude que não tinha um momento de ócio. Se estivesse sem nada de rentável com que se entreter, fazia uma rodela de madeira para a trocar por uma moeda das que compõem os colares de cem sen, que são usados nas transações de alguma monta. Tendo perseguido tenazmente a arte de juntar dinheiro, tornara-se o segundo homem mais rico da capital, famoso pelos empréstimos que negociava com os mais importantes daimio, e o rumor que corria de que a sua fortuna ultrapassava os trinta mil kan não podia ser completamente destituído de verdade.

“Apesar da sua grande riqueza, o velho nunca tinha mudado de casa, nem feito qualquer obra na pequena e pobre e rude construção que herdara dos pais, que não media mais que doze pés de largura. Durante todo o ano, além de arroz, só comia pickles às refeições. Nem mesmo se aventurava a acrescentar um besugo pela Terceira Lua, quando se podiam comprar pelo preço da água do mar, nem cogumelos pela Décima Lua, quando estes estavam ao preço da erva do campo. ‘Olha, mas não toques’, era a sua regra. Quando tinha sede, bebia água quente aromatizada com pó de arroz.

“Comprar qualquer peça de seda para cobrir o tronco e os membros estava fora de questão. Como não podia comparecer com a sua usual vestimenta de algodão florido em cerimónias oficiais da freguesia, em jantares com negociantes, ou em reuniões com outros financeiros para discutir as condições dos empréstimos a fazer aos senhores feudais, aflitos com falta de liquidez, resolvia o problema a custo zero, passando por uma casa de fatos em segunda mão, que tivesse dívidas para com ele, e obrigava o proprietário a emprestar-lhe a vestimenta requerida para o encontro a que se dirigia. Vestia-a, mesmo que lhe ficasse mal ajustada, e assim se ia. No regresso passava na loja assim abusada e trocava imediatamente as roupas emprestadas pela sua usual vestimenta de algodão.

“Todo o interesse da sua vida era juntar dinheiro e tinha-se especializado na arte de acumular juros, prazer que perseguia tão avidamente como um connoisseur persegue, nas casas de dissolução, em ânsia desarranjada, a beleza feminina. Emprestava fundos a atores e a casas de chá dos bairros orientais da cidade, à taxa de cinquenta por cento e impunha-lhes, ainda por cima, um período de três meses para o pagamento. ‘Quem precisa de festivais?’, pensava o velho, porque, quando acabava o prazo, aqueles que não podiam pagar começavam a dançar ao ritmo de juro sobre juro. Era com estas técnicas que o velho rapace obtinha receitas de dezassete meses no período de um ano.

“Açambarcar dinheiro era o que lhe dava vigor. Quer a neve cobrisse a capital de branco, quer o estio a enchesse de poeira ocre, corria pela cidade emprestando e prorrogando e cobrando, com mais vigor que um jovem que ainda não tivesse dobrado os vinte anos. Conseguia arrebatar uma taxa de concessão de crédito de dez por cento a um grupo de budistas enlutados que necessitava de dinheiro para pagar o funeral de um paroquiano falecido. O penhor era as pedras preciosas dos olhos de uma estátua do demónio? Arranquem-se! Era a folha de ouro que cobria a estátua do Buda? Pele-se! Nada escapava incólume a este velho cobiçoso.

“Para quase todas as pessoas, o desejo de obter dinheiro é a aspiração de gozar de alguma segurança na inconstância da vida e ter algumas diversões modestas que forneçam prazer ao corpo e conforto à alma. Mas o pensamento dominante deste velho acerca de questões matrimoniais, era que ter uma família criaria um buraco nas finanças familiares. Por isso não tinha mulher e, consequentemente, não tinha filhos. Perguntou-lhe um dia o bonzo do templo em que Mataemon era congregado: ‘Essa tua fortuna… a quem pensas deixar? Não a podes levar quando mudares de mundo. Pensa em escolher herdeiro e prepara tudo para que os serviços religiosos em teu favor sejam atempada e corretamente executados após a tua morte. Se o não fizeres a tua fortuna irá para um completo desconhecido. É isso que queres?’

“Tudo indica que o velho levou a sério esta admoestação, porque, pouco depois, adotou como filho um sobrinho, mas, ainda assim, não o quis a viver em sua casa pela despesa que isso lhe acarretaria. E de imediato o pôs, como aprendiz, na loja de um colega. E disse ao rapaz: ‘Quando morrer, toda a minha fortuna será tua, tudo te darei. Como sinal do teu agradecimento por este grande favor que te faço, acho bem que me entregues todos os anos um presente de cem mon, quer pelo Ano Novo, quer durante as festividades do Bon.’

“Não, enquanto viveu, Mataemon não mostrou nenhuma generosidade para com o filho, antes pelo contrário, chegou mesmo a reclamar as vestes do jovem aprendiz, que lhe tinham sido fornecidas pelo novo mestre.

“Sucedeu que, um dia, um famoso ator, o principal de um grupo itinerante, convidou o velho usurário a visitar a estalagem onde se encontrava alojado, para lhe pedir um empréstimo de cinco ryō de ouro, mas sem lhe dizer nada da sua intenção. Ofereceu-lhe um banquete com udon e começou a trabalhá-lo com toda a sua lisonja de artista. No fim, depois de o ator vocalizar o seu pedido, a resposta do velho, sentado e segurando num copo de saqué com a mão direita, foi de reserva descomprometida: ‘Não sei bem… terei de pensar no assunto com tempo e paz e vagar e avaliar se este negócio será no nosso melhor interesse mútuo.’

“Pensou o ator: ‘Se não conseguir angariar estes fundos, como conseguirei levantar os meus trajes da casa de penhores? E, sem trajes, como posso eu iniciar a digressão para que me contrataram?’

“Solicitou, então, a um ator seu amigo que abordasse o financeiro com o seu pedido. A resposta que recebeu foi a seguinte: ‘Se ele quiser, poderei ir esta noite visitá-lo outra vez e então poderemos voltar a discutir o assunto.’

“O ator, ao receber esta mensagem, pensou: ‘Certamente que não quereria voltar a encontrar-se comigo se estivesse decidido a recusar o meu pedido. Mas, pelo sim, pelo não, é melhor oferecer-lhe um repasto que o impeça de recusar sem se envergonhar. Uma vez apanhado na rede, não será capaz de me dizer que não.’

“Como isco para o seu peixe, o ator mandou preparar manjares especialmente escolhidos, sopa de carpa, arroz de enguias e brotos de bambu com haliote estufado. Quando o usurário chegou, o ator ofereceu-lhe um tratamento régio, e, tendo desde o início substituído os pequenos copos de saqué por outros com três vezes mais capacidade, encharcou o seu conviva em álcool. Quando o consumo de bebida chegou ao pico, disse o ator: ‘Peço-vos que desculpeis a minha ousadia, mas gostaria de voltar ao assunto das cinco moedas que já discutimos. O meu humilde pedido é que vos dignais beneficiar-me com o vosso compassivo favor, na forma de concessão de um empréstimo neste montante.’

“E, dizendo isto, prostrou-se, tocando humildemente o chão com as palmas das mãos. Ao que o usurário respondeu: ‘Não obstante nunca ter financiado atores itinerantes, estou inclinado a conceder-vos o empréstimo que vos sentis compelido a pedir. Mas, neste caso, em que o risco envolvido é maior, pois hoje estás aqui e amanhã não, terei de deduzir imediatamente ao principal o juro que acresce durante os seis meses do contrato, nomeadamente entre esta Quinta Lua e a Décima-Primeira Lua, data em que vos comprometeis a liquidar totalmente a quantia contratada. Nestas condições, vos disponibilizarei imediatamente a diferença. Estamos de acordo com estes termos?’

“Apesar de não ser isto o que estava à espera, o ator pensou que, se objetasse, o peixe podia escapar-se da transação. Mas mesmo assim atreveu-se a inquirir: ‘Peço-vos humildemente que me perdoes pela minha presunção, mas seria possível que, em vez de eu pagar o juro à cabeça, o pudesse fazer na Décima-Primeira Lua?’

“Recusou o rico, pobre em compaixão: ‘Temo que seja impossível. Emprestai-me o vosso ábaco e demonstrar-vos-ei as vantagens do pagamento antecipado.’

“O ator passou-lhe o ábaco, e o velho, tomando o instrumento, começou a calcular e a explicar os pormenores do negócio ao que se iria endividar: ‘Para facilitar os cálculos, podemos converter os ryō de ouro em monme de prata à taxa corrente de um para sessenta. Portanto, o montante total do empréstimo é de trezentos monme e o juro mensal, à taxa de dez por cento, é de trinta monme. No entanto, aos trezentos monme do principal temos de abater os dez por cento da usual taxa de concessão de crédito, pelo que ficamos com duzentos e setenta monme. Depois, temos de deduzir imediatamente, como acordado, os dez por cento da taxa de juro mensal acrescidos de dez por cento da usual taxa de não pagamento, que é devida ao fim de cada mês em que o empréstimo ainda não foi liquidado. Isto equivale a onze prestações de trinta monme. Subtraindo estes trezentos e trinta aos duzentos e setenta que remanescem do principal, verificamos a existência de um crédito imediato a meu favor de sessenta monme, de acordo com o estabelecido no nosso contrato. Assim, vejo-me obrigado a pedir-te que saldes imediatamente este teu défice.’

“O ator ficou confundido primeiro, aborrecido depois e furioso por fim. Gritou ele: ‘Mas que é isso!? Se faltam sessenta monme, que tenho de pagar imediatamente antes de ter recebido de vós um único rin, o que é que, posso perguntar-vos, me estais a emprestar agora?’

“O velho olhou perplexo para o ator e replicou: ‘O teu ábaco é que mostra claramente que me deves, neste momento, sessenta monme por juros e taxas vencidas, e trezentos, daqui a seis meses, para amortização do montante em dívida.’

“E pensou: ‘É sempre um risco falar com quem nunca estudou finanças. Raciocínios lentos…’

“No fim, foi o ator que não conseguiu o seu financiamento e, ainda por cima, teve de pagar as duas refeições que o usurário digeriu.”

O desejo incontrolado pelo dinheiro é de facto um problema grave, nefário para família e a sociedade, ao ponto de se poder dizer que “a ganância de dinheiro é a raiz de todos os males” (1 Tim 6, 10). Mas é um problema que o socialismo não resolve…