A contribuição obrigatória das entidades patronais para a Segurança Social é de 23,75% sobre a parte dos salários dos trabalhadores que conta para efeitos de reforma (o subsídio de alimentação, por exemplo, não conta). Toda a gente não sabe isto.

E como não sabe a Iniciativa Liberal quer que saiba, tornando obrigatória a menção do valor do encargo no recibo de vencimento.

Repare-se: não há qualquer alteração de direitos ou deveres, nem de valores; apenas a informação que o recibo disponibiliza clarifica um pouco mais o custo do trabalhador para a empresa.

Um pouco mais, não tudo. Porque seguros contra acidentes de trabalho, ou encargos com a medicina de trabalho, ou formação profissional, por exemplo, ou em certos casos transporte do e para o local de trabalho, também não constam.

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Tenho visto reacções extraordinárias a esta iniciativa: que não vale a pena porque os trabalhadores já sabem isto, e quando não sabem pouco lhes interessa, o que conta é o salário líquido e o resto é treta; que não se percebe bem em que lugar no recibo vai figurar o encargo, dado que, se figurar na coluna de descontos, não poderá ser somado, e nem ser aliás verdadeiramente um desconto; que as empresas já podem, se quiserem, fazer constar essa informação. Não o fazem porque são preguiçosas ou nisso não vêem utilidade; e que a alteração vai originar custos escusados.

Por partes:

Não há inquéritos sobre o que os trabalhadores sabem ou deixam de saber na matéria. O que há são palpites, e ofereço o meu, baseado numa longa experiência a lidar com trabalhadores: a maioria esmagadora NÃO SABE quanto custa à empresa. Não é provável que, de posse dessa informação, surja uma substancial modificação de atitudes. Mas é provável que a ignorância sirva algum interesse inconfessado – senão, não teria defensores;

O lugar em que no recibo figurará a informação não tem importância, desde que lá esteja o valor e explicação do que quer dizer. Tenho a minha ideia sobre o arranjo gráfico, que não explico porque já percebi que até esta insignificância é controversa;

As empresas não fazem essa modificação porque compram pacotes de software certificado pela AT, que é o único que podem, se tiverem juízo, usar. E não exigem a alteração porque as autoridades, tanto tributárias como de condições de trabalho, estão inçadas de esquerdistas e burocratas empedernidos, uns e outros protegidos pela inimputabilidade. Se levantarem um auto abusivo, os custos para demonstrar a sem-razão são incomportáveis. Um empresário faz, entre outras coisas, avaliações de custo/benefício: desafiar o Estado, o mais das vezes, não compensa, e o serviço público ofendido pode desencadear uma vendetta.

Quanto aos custos, a alteração implica-os, mesmo sendo, como é, simples. Para os evitar, basta remeter para actualizações de software que todos os anos são necessárias porque todos os Orçamentos do Estado implicam alterações. Logo, trata-se de um não-problema. Claro que num país normal o regime fiscal, as obrigações declarativas e as normas contabilísticas seriam estáveis. Mas não vivemos num país normal, há demasiados serviços do Estado que interferem na vida das empresas, demasiada gente que ganha o pão a infernizar-lhes a vida, e demasiado eleitor que julga que nunca fundou, ou dirige, empresas, porque o destino não lhe deu oportunidade de pôr em prática os inegáveis méritos com que a Providência o dotou. Daí que não poucas pessoas, e em particular os especialistas em economia e gestão, saibam perfeitamente o que seria o patrão e gestor ideal, em vez dos que existem: eles próprios, se se desse o caso justíssimo de não serem trabalhadores por conta de outrem, professores ou funcionários.

Pergunta-se: É útil que o trabalhador saiba quanto custa realmente ao patrão? E é precisa uma lei da Assembleia da República para alterar o modelo de um papel? A resposta às duas perguntas é sim, porquanto a cultura de esquerda que existe há mais de quarenta anos no país faz com que haja a generalizada suspeita de que o empresário é inculto, inepto, desorganizado, evasor fiscal salvo prova em contrário, avesso à inovação e criatividade, e voraz na distribuição dos resultados, dos quais se apropria leoninamente.

Provas: a sua formação académica é no geral inferior à mediana dos trabalhadores que emprega, os salários são mais baixos até mesmo que os da Espanha, que está aqui ao lado, são raras as indústrias de grande dimensão e mais ainda as de ponta, e todo o especialista em gestão, todo o consultor, todo o economista, todo o banqueiro (bancário, na realidade, que banqueiros já não há), e até mesmo todo o magistrado da opinião, incluindo os de direita, concorda: para o país ter o nível da Dinamarca seria preciso trocar os empresários portugueses por dinamarqueses. Este discurso é simplesmente cretino, mas não é aqui o lugar nem o momento para o desmontar. O que importa reter é isto: os gestores e economistas, dos quais as universidades despejam centenas no mercado todos os anos, bem deviam melhorar, pelo exemplo do empreendedorismo e sucesso, a qualidade do empresariado analfabeto; e o trabalhador não fica seguramente pior por estar mais bem informado.

A Iniciativa Liberal, ao propor uma lei para regular um detalhe de um papel, está a suprir uma falha da Autoridade Tributária: um dos sucessivos socialistas que tem passado  pela secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais (não menos socialistas quando foram do PSD ou do CDS) bem poderia ter resolvido o assunto por despacho, ou fazê-lo passar de contrabando numa qualquer lei do Orçamento. Não o fizeram porquê?

Porque pode o trabalhador, no futuro, perguntar a si mesmo: porra, 34,75% do salário é para garantir a merda da reforma, a merda do subsídio de desemprego, e a baixa por doença. E ao raio do patrão, já que paga e não bufa, tanto faz pagar ao Estado como a mim. Ora, eu bem poderia, se tivesse uma palavra a dizer, alocar esse dinheiro de outra forma.

Trabalhadores a reflectir é coisa que os socialistas nunca quiseram: é muito mais fácil designar-lhes um inimigo, que é o patrão.

Daí que a proposta da IL vá, creio, ser derrotada: terá o apoio do Chega! até ao PSD; e poderia talvez ter também do PS se este não precisasse de agradar à comunistada – a maioria dos socialistas achará provavelmente que papel assim ou assado é tudo igual ao litro. Mas não vale a pena ofender aqueles de quem precisa para se manter.

E os trabalhadores, como é que ficam? Ficam como estavam: interessados na carreira de Jorge Jesus.