Não foi preciso esperar pelo final de 2015 para ver a “geringonça” em que António Costa se apoiou para chegar a primeiro-ministro encravar. Bastou o colapso do Banif para todas as garantias de durabilidade e estabilidade da coligação de esquerda colapsarem com ele. Afinal, o Presidente da República tinha mesmo boas razões para ter dúvidas sobre o grau de entendimento e compromisso entre PS, PCP e BE relativamente à “aprovação dos Orçamentos do Estado” e à “estabilidade do sistema financeiro”.

O que Cavaco Silva talvez não esperasse é que lhe fosse dada razão tão cedo. De facto, não foi sequer preciso esperar pelo Orçamento para 2016, que era visto como o primeiro teste sério à frente de esquerda que entregou o poder a António Costa depois da derrota eleitoral a que conduziu o PS. Bastou um Orçamento rectificativo ainda no decorrer de 2015 para tanto comunistas como bloquistas votarem contra o governo do PS numa matéria central para a estabilidade de qualquer solução governativa.

O PSD, por sua parte, também tem poucas razões para sorrir. Se a “geringonça” de Costa foi rápida a encravar, Passos Coelho foi igualmente rápido a ir em seu auxílio em nome do “interesse nacional” (ainda que prometendo em tom solene que foi uma vez sem exemplo). Dessa forma conseguiu o duvidoso feito de, pelo menos no curto prazo, legitimar António Costa como sendo efectivamente quem está em melhores condições para se aguentar no poder procurando entendimentos à esquerda e à direita. Paulo Portas, com a sagacidade e instinto de sobrevivência político que o caracterizam, não deixou escapar a oportunidade de votar contra afirmando desta vez a coerência do CDS com a palavra dada.

Sobre o estranho caso que motivou o Orçamento rectificativo, existem ainda mais dúvidas do que certezas, sendo que a melhor análise até agora foi muito provavelmente a realizada aqui no Observador por Luís Aguiar-Conraria (com a ressalva de que não seria possível resgatar o Banif com fundos europeus). Como resumiu Aguiar-Conraria:

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“Quem beneficiou com a morte do BANIF em 2015? Beneficiaram os detentores de depósitos superiores a 100.000€ e os detentores de dívida sénior, que ficaram salvaguardados. Beneficiou o bloco central de interesses, porque conseguiu evitar que o BCE viesse ao BANIF fazer uma auditoria profunda aos seus negócios. Quem perdeu? Os portugueses.”

O Santander também não parece ter feito mau negócio aproveitando uma conjugação de circunstâncias extraordinariamente favoráveis ainda que isso, só por si, não seja naturalmente crime. Tanto o anterior governo como o actual ficam muito mal na fotografia, tanto pela evolução da situação nos últimos anos como pela peculiar “solução” encontrada. Importaria a propósito deste estranho caso não esquecer as declarações de Horta Osório, presidente do Lloyds, que defendeu uma auditoria externa classificando o caso como “um assunto chocante” que deveria ser “devidamente explicado”.

Quem também fica – mais uma vez – mal na fotografia é o Banco de Portugal. Com destaque desta vez para António Varela, responsável pela supervisão, que transitou para o Banco de Portugal vindo do… Banif. A promiscuidade entre reguladores e regulados continua tragicamente a ser prática corrente em Portugal com os resultados que estão à vista.

No final, fica a decisão política – com pesadíssimos custos para os contribuintes portugueses – de não deixar falir mais um banco. Como escrevi em 2012: “Um sistema bancário no qual não é permitida a falência individual dos bancos sem condições de sustentabilidade é um sistema bancário insustentável e que está condenado, mais cedo ou mais tarde, a falir na sua globalidade.”

Chegamos ao final do ano com a “geringonça” de António Costa já encravada, a extrema-esquerda sem travão, o PSD debilitado, o sistema financeiro em risco de ruptura e a factura dos contribuintes a aumentar a um ritmo alucinante. Resta manter a esperança de que 2016 possa ser um ano melhor do que é realisticamente possível prever neste final de 2015.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa