Chegámos ao Porto 98.4 FM Em Lisboa 98.7 FM José Miguel Pinto dos Santos Seguir Gerir como criança e como ladrão Para gerações mais broncas, como a nossa, é preciso explicitar tudo, mesmo o óbvio. Não será por isso que os “mission statements” das empresas incluem sempre uma referência (esfumada) à ética? 08 Mar 2018, 00:09 169 Qual a atitude adequada a um bom gestor? Ou qual a atitude mental necessária para uma carreira profissional com sucesso? A literatura académica e popular sobre o assunto é vasta. No Google Books conseguem-se mais de cinco milhões de hits para attitude, e no Scholar mais de três milhões. E se nesta vasta mole textual se incluem ensinamentos importantes, para os encontrar é necessário peneirar muito material inerte.Mas de entre todas as páginas sobre o tema há uma que incorpora tudo o que de útil está nas outras. É uma passagem de um escrito rabínico do século dezoito, onde se atribui ao maggid Dov Baer ben Avraham de Mezeritch (circa 1710—1772) o seguinte conselho dado ao rabi Meshulam Zusya de Annopol (1718—1800): “Os dez princípios do serviço sincero não podem ser ensinados. Mas podem-se aprender observando com cuidado o comportamento de uma pequena criança e vendo atentamente a atuação de um ladrão competente.De uma criança pequena podem-se aprender três atitudes: Está sempre feliz sem qualquer razão especial; Nunca está ociosa nem por um momento; Quando necessita de algo pede-o vigorosamente. De um ladrão competente devem-se imitar sete posturas: O que faz, fá-lo discretamente; É rápido no atuar; Está disposto a correr riscos para atingir o seu objetivo; Dá atenção a todos os detalhes, seja em grandes ou em pequenos empreendimentos; Está inteiramente focado no que faz; Só trabalha com colaboradores em quem pode confiar; Quando falha volta a tentar.” Este ensinamento do maggid Dov Baer foi dado num contexto religioso de serviço a HaShem. No entanto é fácil reparar que nele se encontram enumeradas de uma forma gráfica e memorável quase todas as atitudes necessárias, não só para o sucesso profissional e empresarial, mas também para algo que ainda é mais importante: ser feliz nesta vida.O que falta de essencial? Apenas um pormenor: a atitude ética. O não querer de modo algum faltar à justiça ou causar qualquer dano a terceiros. Note-se que a atitude ética era tão fundamental para o maggid, como o ar que respirava. Não lhe passava pela cabeça ser necessário referir algo tão óbvio, e teria chamado a atenção que não existe ser humano com sensibilidade ética mais apurada que uma criança de dois anos. Mas para gerações mais broncas, como a nossa, é preciso explicitar tudo, mesmo o básico, mesmo o óbvio. Não será por isso que os “mission statements” das empresas e as “plataformas” e “programas partidários” incluem sempre uma referência (esfumada) à ética?Professor de Finanças, AESE Business School