Desde que me lembro de mim como pessoa  e ser contemplativo, olho para cima, para as inspiradoras nuvens. Aprecio-as em todas as suas formas. Com ar de algodão doce, delineadas tal desenho infantil, tipo o rasto da espuma do mar deixada pela velocidade dos barcos, quando aparecem no céu muitas salteadas tipo pipocas,  escassas e tímidas em dias muito azuis, densas e com tons laranja misturados com os cinzas nos dias semi-nublados, com o pano de fundo do intenso azul índigo próprio da hora do  crepúsculo. Infindável é o seu encanto.

Vejo as mais variadas figuras nas suas formas. Talvez seja o teste projetivo mais espontâneo da humanidade. No entanto, devemos não abusar da extrapolação de possíveis interpretações, pois o nosso olhar para estes elementos naturais transcendentes, é de cariz lúdico e naïf. Nem tudo é para atribuir um significado inteligível. Podemos somente usufruir da atividade contemplativa, da ordem do sensível e sensorial, como forma de alcançar o sublime e tranquilo. Como forma de nos apaziguarmos.

A experiência do sublime produz uma comoção estética. A comoção estética emociona-nos e toca-nos por dentro. Dizia-nos Kant, o sublime comove, o belo encanta. Experimentarmos uma experiência estética faz-nos ver a beleza, faz-nos sentir igualmente nós mesmos como seres belos. Lembro a maravilhosa descrição de Clarisse Lispector, no seu conto Perdoando Deus, em que descreve a surpresa como se sente ao olhar de uma forma nova, diferente, à sua volta, ao ponto de fantasiar ser mãe de Deus. Mais poderia ser dito a propósito desse conto e de como termina com a integração do belo e do feio como o alcance do todo mas hoje estamos só com a cabeça de volta das nuvens.

O sentimento tangível ao sublime permite-nos sair do que é quotidiano e terreno. Expande o movimento do nosso olhar e voamos para algo maior, perto do sonho e do transcendente. Permite-nos discutir metafísica, sentirmo-nos maiores do que o nosso tamanho. O eco do que interiormente experimentamos e as reminiscências de um passado que se mistura com um vago futuro formam ideias pouco categóricas e objetivas mas elevam-nos a um sentido apurado do que em nós é íntimo e profundo.

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Quando vivemos realidades difíceis e estamos sucessivamente a ser desafiados a aguentar, a ultrapassar, a remediar, a inovar, poder saltar para um certo lugar de evasão é um bom escape. É uma saída para ir mais além.

Claro que podemos tropeçar ao andar com a cabeça voltada para cima mas se desde que não caímos e não nos magoemos, tropeçar de vez em quando não faz mal nenhum e pode dar até novas perspectivas ao caminhar com os pés no chão.

anaeduardoribeiro@sapo.pt