Governar nunca foi fácil. Mesmo um governo autoritário tem de mostrar um mínimo de legitimidade. Se deixar o povo sofrer e passar fome durante muito tempo, ou se perder a confiança das forças armadas, corre o sério risco de ficar cada vez mais fragilizado.

Governar durante uma pandemia é ainda mais difícil uma vez que é exigido às autoridades decidir entre vidas humanas e a economia. A decisão pode parecer simples, mas nunca nada é assim tão simples como parece. Durante uma pandemia, todos, autoridades incluídas, enfrentamos o desconhecido.

Donald Rumsfeld disse uma frase que ficou para a História: «Existem coisas que sabemos que sabemos, coisas que sabemos que desconhecemos e coisas que desconhecemos que desconhecemos.» Na altura, provocou alguma chacota mas não há dúvida de que ajuda a ilustrar como governar se tornou  difícil.

Com a pandemia da Covid-19, poucas são as coisas que sabemos que sabemos, muitas as que sabemos que desconhecemos e não fazemos a mais pequena ideia das coisas que desconhecemos que desconhecemos, precisamente porque fazem parte do desconhecido. Perante isto, as decisões das políticas públicas tornam-se ainda mais difíceis. A última vez que o mundo enfrentou uma pandemia a esta escala foi há 100 anos. Nessa altura, o mundo era completamente diferente do que é hoje, tornando-se, assim, impossível existir uma base de referência que nos sirva de comparação.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As coisas que sabemos que desconhecemos são muitas e importantes. Quanto tempo demoraremos a controlar o vírus? Qual será a melhor altura para aliviar as restrições e como fazê-lo? Haverá uma segunda ou terceira vaga e, se sim, serão muito demoradas e penosas? Quem contraiu o vírus está imune a futuras infeções e durante quanto tempo? Quais os tratamentos terapêuticos de que  podemos socorrer-nos? E, por fim, a pergunta para um milhão: quando será descoberta uma vacina?

Epidemiologistas, economistas e matemáticos encontraram modelos para informar as políticas públicas. Exemplos como os da China e da Itália dão-nos mais dados, mas, no geral, cada caso é um caso e os modelos não passam disso mesmo, de modelos que dependem das hipóteses que fazemos, algumas das quais não controlamos e de onde estão excluídas outras que não conhecemos. Enquanto a crise aumenta, as teorias e respetivas projeções vão-se alterando. Isto significa que nenhum governo pode, com toda a certeza (e honestidade), prometer o fim deste cenário mortífero, muito menos projetar a data de quando se atingirá o pico da infeção ou das mortes em virtude de esta estar constantemente a mudar.

Em tempos de crise, principalmente quando os níveis de medo e de incerteza são elevados, as pessoas viram-se para os seus líderes à procura de respostas categóricas e decisivas, de ajuda, de esperança e de orientação. Viram-se para os seus líderes precisamente quando os governantes do resto do mundo estão às apalpadelas. Isto leva a que a pressão sobre os governantes aumente ainda mais porque só eles têm a capacidade de desempenhar um papel paternal. Só eles podem decretar estados de emergência que restrinjam os movimentos das pessoas e que mobilizem, rapidamente, grandes recursos. As pessoas precisam, de acreditar, desesperadamente, que aquilo que está a ser feito é o mais correto.

Antes da crise do novo coronavírus já o mundo sofria uma crise de liderança que em nada ajuda esta situação. A má conduta de Donald Trump face a esta pandemia é notória. Promover o uso da hidroxicloroquina como antídoto é, no mínimo, irresponsável e usar a conferência de imprensa diária da Casa Branca sobre o coronavírus só para falar da sua guerra lançada recentemente contra a droga cheira mais a campanha política do que a liderança. O covid-19 no EUA está politizada.

A teoria da otimização, um conceito básico de Economia, assume que os agentes racionais otimizam dentro das restrições definidas. Listam as medidas de ação possíveis, definem as consequências das várias alternativas e, finalmente, avaliam e selecionam a melhor opção disponível.

Dito isto, as medidas de ação extremas existentes são o confinamento total e a atitude laissez-faire, também conhecida por imunidade do rebanho (herd immunity). A maioria dos governos optou por uma versão mais ou menos rigorosa do confinamento. Inicialmente, o primeiro-ministro Boris Johnson priorizou a hipótese da imunidade do rebanho mas, duas semanas mais tarde, mudou radicalmente de estratégia. Isto fez com que o Reino Unido perdesse um mês que poderia ter sido precioso para a realização de um maior número de testes e de dotar o seu serviço nacional de saúde de mais recursos. Note-se que as mudanças de estratégia em nada contribuem para construir a confiança das pessoas, deixando-as nervosas, já que o que elas esperam dos seus governantes são respostas certas, especialmente quando as suas vidas e os seus empregos, bem como as vidas e os empregos dos seus familiares, estão em jogo.

Há algumas discrepâncias que se destacam. Jair Bolsonaro referiu-se, várias vezes, à Covid-19, a doença causada pelo coronavírus, como uma «gripezinha» ou uma «histeria coletiva». A Suécia e a Holanda mantêm os negócios a funcionar, embora comecem a mostrar sinais de alterações de medidas. Outros têm conseguido impor medidas de bloqueio mais leves, o chamado isolamento inteligente, devido ao elevado número de testes realizados e à identificação da cadeia de contágio.

Quando os governos mandam as pessoas para casa, a economia entra numa grave recessão. A atividade económica, como a produção e o consumo, cai a pique e as decisões de investimento são adiadas para uma altura melhor. Salvar vidas tem um custo.

Hoje em dia, nenhum governo, democrático ou não, pode ignorar completamente vidas humanas, especialmente a esta escala. Se a América não tivesse tomado medidas, ditam algumas projeções, entre dois a quatro milhões de americanos perderiam a vida (assumindo a inexistência de vacina). Com a medida do distanciamento social, estima-se que morram entre 100 a 250 mil, já por si um número muito maior do que o número de mortos na guerra do Vietname. Existe uma grande diferença entre quatro milhões e 250 mil vidas e, verdade seja dita, um governo que tente privilegiar a economia em detrimento dos cidadãos pode acabar por comprometer os dois.

Em alturas como esta, os líderes não têm opção. Nenhum sistema nacional de saúde está preparado para uma situação destas. É preciso ganhar tempo. Não tomar medidas pode ser interpretado como sinal de insensibilidade extrema e indecisão política. Só que à medida que o tempo passa e que a crise económica se vai agravando, surgem as primeiras dúvidas. Quando as pessoas começam a sentir-se inquietas por ver a taxa de desemprego a disparar e os seus negócios a irem à falência, é chegada a altura de reavaliar o trade-off entre salvar vidas e evitar uma catástrofe económica.

O «não há alternativa» de hoje deixará de ser assim tão unânime e começar-se-ão a ouvir ecos do feed de Trump no Twitter, dizendo que a cura não pode ser pior do que a doença. O confinamento prolongado também tem custos para a saúde pública, provocando igualmente problemas de saúde e mortes. Ditam os especialistas que é  provável que a depressão, o consumo de álcool e os suicídios aumentem, bem como a diabetes e as doenças coronárias.

No entanto, nem tudo são más notícias. Novas pesquisas, feitas com base nos efeitos de diferentes respostas à gripe espanhola na América em 1918-19, parecem sugerir que não existe trade-off entre o confinamento e a recuperação económica a longo prazo. A conclusão, quanto mais um país se esforça para conter a propagação do vírus, melhor é o seu desempenho económico posterior.

O problema é que esta conclusão é baseada num estudo de uma pandemia dum mundo radicalmente diferente, onde a globalização e o comércio eram bastante inferiores o vírus infetava predominantemente os trabalhadores. Hoje em dia, os serviços pesam mais que a industria, as competências perdem o seu valor cada vez mais depressa, e as pessoas são mais móveis, para mencionar apenas algumas diferenças. Faz lembrar a frase de Keynes de que «a longo prazo, todos estaremos mortos».

É óbvio que, mais cedo ou mais tarde, as economias terão de reabrir as portas aos negócios. A cada semana que passa, aumenta a probabilidade de vivermos uma grave e longa recessão como nunca vivemos. Além do mais, à medida que o número de infetados reduz e as infeções e o tempo passam, é muito provável que a situação tenha de ser reavaliada. As pessoas começam a sentir uma falsa sensação de segurança, a ser menos responsáveis socialmente e menos tolerantes às restrições. A claustrofobia instala-se e os governantes apercebem-se de que os seus cidadãos não são assim tão flexíveis como ao princípio pareciam ser.

Mas como é que avaliamos o «valor» de uma vida perdida? Economistas, epidemiologistas e matemáticos não podem dar-nos uma resposta moralmente satisfatória. Salvar a economia à custa de vidas parece, neste momento, deplorável. Mas será que vai continuar a parecer deplorável daqui a dois, três ou seis meses? As disrupções mudam a forma como as pessoas olham para si próprias, para o que importa e para o que valorizam.

Navegar na incerteza nunca é fácil. Navegar na incerteza quando está tanta coisa em jogo é ainda mais difícil. Mais cedo ou mais tarde, os governos serão forçados a escolher entre reativar a economia ou evitar mais mortes. Serão forçados a atribuir um valor à vida. Nunca, como agora, houve tempos mais desafiantes para governar.

Governing in the time of Covid-19

Governing has never been easy. Even authoritarian leaders need to provide some sort of “ouput legitimacy”. If they allow their people to starve or suffer long enough, or if they lose the trust of the military, they may find themselves out of power.

Governing under a pandemic is much harder. Governments need to decide on the trade-off between lives and the economy. The choice may appear simple enough. But nothing is ever as simple as it may appear. We are all, leaders, included, navigating in unchartered waters.

Donald Rumsfeld once famously said: “there are known, knowns, these are things we know we know; there are known unknowns, that is to say we know that there are things we do not know but there are also unknown unknowns, the ones we don’t know we don’t know.” This elicited a laugh at the time, but it may help illustrate just how difficult governing has become.

With the Covid-19 pandemic there are few known, knowns, many known unknowns and we have no idea of the unknown unknowns, precisely because they are unknown.  This makes public policy decisions all the more difficult. The last time the world faced a pandemic on such a scale was over 100 years ago and it was a vastly different world; this means we have no comparison to fall back on.

The known unknowns are many and important. How long will it take for the virus to be under control? When is the best time to relax lockdown restrictions and how? Will there be a second or possibly third wave and how long and difficult will they be? Are people that have had the virus immune to further infections, and for how long? What therapeutic treatments can we count on? And the million dollar question, when will we find a vaccine?

Epidemiologists, economists, mathematicians have all found models to inform public policy. The examples of China and Italy give us more information. But overall, each case is a case, and models are but models. They depend on the assumptions we make about a whole host of variables, some of which we do not control, and exclude others we do not know. As the crisis evolves, assumptions change and so will their projections. Hence no government can with all certainty (and honesty) commit to an end of this deadly affair. Dates of when peak infection or deaths will be reached are constantly moving targets.

In times of crisis and when fear and uncertainty run high, people turn to their leaders for decisive and authoritative answers, for help, hope and guidance. They turn to their leaders just when governments the world over are most navigating in the dark. This only adds to the pressure. Only the government can perform this fatherly role. Only they can declare states of emergency that restrict people’s movements and mobilise vast resources rapidly. People desperately need to believe that what is being done is the right thing.

The fact that we were suffering a crisis of leadership before the coronacrisis does not hep matters. Donald Trump’s mishandling of this pandemic is notorious. Promoting hydroxychloroquine as an antidote is irresponsible at the very least. Using the daily White House coronavirus press conference to just speak about his newly launched war on drugs, smacks of political campaigning not leadership.

The theory of optimisation, economics 101, assumes that rational agents optimise subject to defined constraints. They list the possible courses of action, define the consequences of the various alternatives, which they then evaluate and select the best available option.

The possible extreme courses of action are complete lockdown and the do nothing, laissez-faire attitude, also known as herd immunity.  Most governments have opted for some version, more or less stringent, of lockdown. Prime Minister Boris Johnson initially favoured the herd immunity hypothesis. Two weeks into this he did a radical u-turn. The UK lost a valuable month where testing supplies could have been increased. Flip-flopping does not do much for building trust and it leaves people feeling nervous. People expect their governments to have the right answers, especially when their lives and jobs, and those of their loved ones, are on the line.

There have been some notable outliers. Jair Bolsonaro variously refers to Covid-19, the illness caused by the coronavirus, as a “little flu” or “hysteria”. Sweden and Holland are also open for business, though are showing signs of altering course. Still others have been able to impose milder lockdown measures due to extensive testing and contact tracing. Here lockdown was substituted for other measures – smart containment, but containment none the less.

When governments send people home, the economy goes into a sharp recession. Economic activity such as production and consumption fall abruptly, and investment decisions are delayed for more certain times. Saving lives has a cost.

No government, democratic or not, in this day and age can completely disregard human lives, especially at this scale. If America took no action, two to four million Americans would likely lose their lives (assuming no vaccine). With social distancing, 100 to 250 thousand Americans are likely to do so – many more than under the Vietnam war. But there is a world of difference between four million and 250 thousand American lives. Moreover, a government trying to privilege its economy over the health of its citizens may land up with neither.

Right now, leaders do not have a choice. No national health system was prepared for this. Some time had to be bought. To be seen as doing nothing could have been interpreted as callous and weak. With the passage of time, however, and growing economic hardship questions will arise. As unemployment rates rise to record numbers and businesses go bankrupt, people will grow restless. The trade-off between saving lives and avoiding economic catastrophe is likely to be re-assessed.

The “no choice” of today will no longer be as unanimous. We will hear echoes of Trump’s twitter feed that the cure cannot be worse than the problem. Prolonged periods of lockdown also has public health costs, provoking ill health and death. Depression, alcohol intake and suicides will probably rise, as will diabetes and coronary illnesses.

Today some good news hit the economics world. New research, citing the effects of different responses to the Spanish flu in America seems to suggest that there is no trade-off between lockdown and economic recovery in the long run. In fact, the harder a country works to stem the virus’s spread, the better its subsequent economic performance.

However, this conclusion is based on a study of the 1918 pandemic. Not only was their less globalisation and trade, the virus was known to have predominantly infected working people. Today skills erode quicker, older workers may decide to retire and people are much more mobile. I’m reminded of what Keynes reputedly said that in the long-run we are all dead.

It is clear that economies will eventually need to open for business. Every week that goes by, increases the likelihood of a prolonged and deep recession the like of which we have never experienced in our lifetimes. Moreover, as the number infected reduces infections and time passes, trade-off preferences are likely to change. People are likely to be lulled into a false sense of security and feel less socially responsible and to abide by restrictions. Cabin fever will set in and governments will find that their citizens are no longer as pliable as they were before.

But how do you weight the “value” of a lost life? Economists, epidemiologists and mathematicians cannot give us this answer. Saving the economy at the expense of lives seems unpalatable now. But will it appear that way in two months, three, six? Disruptions shift people’s sense of who they are and what matters and what they value.

Navigating uncertainty is never easy. Navigating uncertainty when so much is at stake is even harder. Sooner or later governments will be forced to choose to reactivate the economy or avoid more loss of lives. They will be forced to attribute a value to life. There has never been a more challenging time to govern.