Uma vez que faltam escassos dias para as comemorações do 25 de Abril, é tempo de ensaiar o tema mais simbólico desta data. Todos comigo:

Grândola, vila em quarentena
Terra em que a realidade
É que o povo em casa pena
Quiçá sem necessidade

Em cada esquina há perigo
No rosto tapado humidade
Grândola, vila em quarentena
Terra sem imunidade

Sacrificou-se um pouco a métrica, concedo, mas, em contrapartida, a palavra “quiçá” tem, enfim!, um merecido lugar de destaque no cancioneiro nacional. Agora é seguir o apelo da Associação 25 de Abril e entoar estes versos das varandas e janelas do nosso Portugal. Todo invejoso, não é, Manuel Alegre?

Enquanto isso, em plena Assembleia da República, as comemorações do 25 de Abril com o cicerone Ferro Rodrigues terão selo de ilegalidade. A ilegalidade começa logo por o evento ser um género de visita de estudo ao Parlamento, quando é óbvio que as escolas estão proibidas de funcionar. Depois, a ilegalidade consuma-se porque é uma visita de estudo feita por uma espécie de lar de terceira idade, cujos residentes são figuras de proa do regime. Sabendo todos nós que os idosos têm de permanecer fechados nos lares, pois estes são locais onde o vírus da Covid-19 está tão armado em bom que há quem garanta já por lá ter visto fungos do pé de atleta a chorarem pelos cantos das instalações sanitárias, vítimas de bullying.

Apesar da tragédia do coronavírus nos lares, creio ser possível tirar algo de positivo desta situação. Isto porque ela ajuda-nos a perceber que país podemos aspirar a ser um dia. Depois destas semanas de pandemia, é evidente que Portugal podia ser o intérprete principal da película “Este País não É para Velhos”. E olhando para os números da emigração nas últimas décadas constata-se que Portugal também não é para novos. Portanto, já sabemos que Portugal não é para velhos, nem é para novos. Estão a ver? Estamos muito mais perto de perceber para quem é, então, o nosso país. Ou muito me engano, ou mais duas, três iterações deste processo e concluiremos o óbvio. Que Portugal é para militantes do PS. Eu disse que havia algo de positivo nesta situação? Peço desculpa, às vezes faço confusão.

Mas voltando às comemorações do 25 de Abril, o que interessa é que o Presidente da Assembleia da República exige comemorar nestes moldes o dia em que celebramos a democracia e portanto vai-se comemorar nestes moldes o dia em que celebramos a democracia e acabou-se a conversa. Ou seja, Ferro Rodrigues ordena que se homenageie desta forma a luta dos que sonharam com uma sociedade em que a liberdade de expressão reinasse, por isso calem-se e é já. Eh pá, o homem manda que se festeje assim o dia que permitiu aproximarmo-nos da Europa e é assim que se vai festejar o dia que permitiu aproximarmo-nos da Europa e acabou! Mesmo que fique a ideia de que, afinal, aproximámo-nos mais da Venezuela. Eu estarei colado à televisão para ver a cerimónia. Tenho curiosidade em conferir como é que o cravo vai ficar no bolso do fato de treino do Ferro Rodrigues.

Entretanto, o país prepara-se para voltar à normalidade. Os bancos Santander e BCP já avisaram que vão exigir aos clientes o uso de máscara. Tantas e tantas situações hilariantes podem daqui advir. Infelizmente, não me ocorre nenhuma. Só me ocorre esta:

Meliante: Mãos ao ar! Isto é um assalto!
Funcionária: Caro senhor, vamos com calma. Antes de mais, que máscara é essa?
Meliante: Como assim?
Funcionária: Isso é um passa-montanhas de malha, não é? O senhor sabe que isso não retém qualquer gotícula que possa projectar pelo nariz ou pela boca?
Meliante: Eu quero lá saber! Passe mas é para cá o dinheiro!
Funcionária: O senhor não quer saber, mas há toda uma tramitação.
Meliante: O único trâmite aqui é o dinheiro dentro deste saco! Olhe que eu puxo da pistola!
Funcionária: Ufa, agora assustou-me. Por momentos pensei que fosse puxar um espirro.
Meliante: Minha senhora, eu vou assaltar este banco!
Funcionária: Muito bem, mas agora já sabe que para abrir conta, consultar movimentos, ou assaltar, tem de trazer máscara cirúrgica ou, idealmente, máscara N95. Está bem? Próximo.

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