Viver na Grécia durante um ano permitiu-me contactar com uma realidade a que não estava habituado em Portugal. Uma realidade de necessidades permanentes tal como, igualmente permanentes, os conflitos sociais disfarçados de Estado de Direito.

Claro que não é possível conhecer tudo em apenas um ano. Mas o que importa destacar é a minha experiência vivida enquanto observador, mais do que estratega de ação para o futuro, baseado na inteligência, humanismo e ética.

Enquanto foi possível, deambulei pelas ruas de Atenas e de outras cidades, tentando sentir o batimento cardíaco los locais, medindo o pulso das emoções visíveis e invisíveis e tentando penetrar na aura de uma alma que, felizmente, na Grécia ainda vai brilhando como em outras épocas. A alma é eterna dizem, mas às vezes o observador é cego. Mas escreverei sobre isso noutra altura.

Por agora, queria falar de crianças. Mais precisamente do drama que milhões de crianças estão a viver em tempo de pandemia. Sim, todos os países estarão, uns mais outros menos, com as mesmas preocupações. Mas também é evidente que muitos governos não estarão a prestar a devida atenção a este drama.

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Num enlatado de notícias Covid parece não haver ainda, pelo menos na comunicação social generalista, quem verifique os dados das urgências infantis. As razões por que necessitam de tratamento em tempos de lockdown e para além do vírus. Pese embora alguns investigadores que estarão a acompanhar essas estatísticas, relacionando-as com o crescimento de episódios de urgência por “acidentes”, “fraturas” e “quedas” por exemplo, correlacionando com dados referentes ao passado sobre alegados maus-tratos, tantas vezes “descobertos” e sinalizados pelos educadores nas escolas. Por isso, fechar a escola pode ser um dos maiores crimes humanitários que estamos a viver, além de outros.

Antes de ir viver para a Grécia, precisamente há um ano, tinha uma ideia distorcida sobre a situação dos refugiados e imigrantes. A Grécia é um dos países-tampão deste drama humanitário que tem vindo a agudizar-se desde 2015.

Antes de compreender a razão dos gregos para tão grande animosidade contra os migrantes oriundos, maioritariamente, de países muçulmanos em desintegração, como a Síria, pensava que a desumanidade era esdrúxula. Mas convivendo com os gregos, acabamos por perceber as chagas ancestrais de milénios de conflitos e séculos de opressão, muitas vezes, precisamente, representados por aqueles que agora chegam em barcos ou pela fronteira da Turquia e tentam alcançar a segurança europeia. Para muitos gregos, esta “invasão” significa barbárie, tal é o trauma de outras épocas.

A complexa sociedade grega foi evoluindo e ajustando-se, mas existe ainda uma memória coletiva que outros países podem não compreender, acusando facilmente os gregos de xenofobia – palavra de origem grega como muitas outras, aliás –, perseguições e abusos.

O drama dos refugiados acentua-se com a sua politização, além da instrumentalização do tabuleiro humanitário para outros fins. Quem sofre são os mesmos de sempre. Refugiados e camadas desprotegidas, inclusive da própria sociedade grega, são as vítimas de “carrascos” confortavelmente instalados numa narrativa de direitos humanos que, ao invés de resolver os problemas, agudizam-nos expandindo a distância do diálogo e remetendo toda e qualquer contrariedade para o espaço do racismo, da intolerância e da xenofobia.

O drama dos refugiados, tal como o drama das classes mais desfavorecidas é o mesmo. Falta tudo. E falta sobretudo bom senso, diálogo e verdadeira inclusão despida de ideologia.

Crianças felizes fazem o mundo feliz

Uma criança grega e uma criança refugiada juntas são felizes. Brincam, riem, são crianças. Também os adultos podem curar feridas antigas. Porque todos sofrem mais dia menos dia.

Recentemente, e no meio de todas estas medidas mais ou menos absurdas de “abre e fecha” que também a Grécia vai implementando, surgiu uma polémica. O município de Chalkidiki decidiu, alegadamente a pretexto da pandemia, impedir as crianças refugiadas de frequentarem as escolas.

Uma medida que está a ser contestada fortemente, mas que está a ser justificada pela falta de condições para garantir a segurança e higiene dos alunos nestas circunstâncias de epidemia. Ou seja, o que este município pode estar a querer dizer é que, conhecendo as condições de vida e de insalubridade dos locais onde foram instalados milhares de refugiados, existe um perigo real de que as crianças sejam portadoras de doenças e contagiem a restante comunidade escolar.

Trata-se de crianças refugiadas que não participam na vida escolar desde março passado. Numa fase das suas vidas em que só isso seria suficiente para ganharem alguma autoestima, amor próprio ou, quanto mais não seja, um sorriso e uma infância. Novas memórias e feridas curadas.

Esta segregação pode também, choque-se, justificar a imensa pressão (mesmo de que de forma inconsciente) de alguns pais em outros países desenvolvidos para que se suspendam as aulas e os alunos passem a ter lições por meios digitais e remotos. Porque intuem que são as classes mais desfavorecidas as que estão a ser mais afetadas pela epidemia. Os mais pobres, os indigentes. E, infelizmente, pode ser a realidade. Mas também é verdade que a escola é um porto seguro para crianças que estão em condições desumanas em casa, neste preciso momento, sem perceber porque não podem ter uma infância e sofrendo, quiçá, maus tratos e abusos abomináveis dos quais ninguém quer saber nem responsabilizar-se.

Falta uma ação concertada das autoridades e de quem tem a responsabilidade de proteger os mais vulneráveis. E não são as ONG’s nem são os políticos. São os cuidadores sociais, são os médicos, são todos os professores. São estes que supostamente detém as qualidades humanas para aferir, sem ideologias nem estigmas, formas de integração que permitam um acesso universal à saúde e à educação, além da alimentação e habitação.

Tudo o resto é hipocrisia, populismo e exploração de desgraças humanas que não desaparecem por passes de mágica.

Infelizmente, o drama das crianças refugiadas na Grécia é o mesmo drama de muitas crianças em todo o mundo neste momento.

A Batalha das Termópilas

A história dos “300” de Leónidas é, sem dúvida, uma das mais apaixonantes e épicas aventuras de coragem, liderança e espírito de sacrifício.

O Rei de Esparta, ele próprio vítima da política dissimulada e conspiradora, teve direito apenas a um pequeno grupo de guerreiros de elite para fazer face, nos “Portões Quentes”, a uma das mais temíveis ameaças invasoras, o magnífico exército persa de Xerxes.

Apesar de alguma romantização e dramatização próprias tanto da época passada como da atual, a verdade é que a Batalha de Termópilas ficou gravada para sempre na luta contra a tirania, a escravatura e a coerção da liberdade do pensamento e da civilização que pensa e infere valores morais e éticos nos mais novos, projetando uma sociedade mais justa, livre e próspera.

É precisamente nas Termópilas que foram alojadas centenas de famílias de refugiados e imigrantes.

Numa das minhas (possíveis) explorações no território grego, deparei-me com dezenas de crianças a vender coca-cola e outros snacks junto às águas sulfurosas que deram nome ao local. Uma ironia do destino que nos parte o coração. Porque o objetivo de Xerxes foi alcançado. Um mundo escravizado e subjugado.

Já Leónidas, muito provavelmente, estaria na primeira linha de combate contra esta opressão e injustiça social, porque foi por isso que se sacrificou. Em nome de um bem maior.