Não tenho o dom de ler a mente nem dos 16.141.241 votantes do “remain” nem dos 17.410.742 do “leave”. Tem-se visto muita gente no espaço mediático e internautico com essa capacidade, mas eu sou bastante mais limitado que a maioria…

Assim como temos o Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota, parecem existir intérpretes oficiais das razões do voto em favor da saída. Estes dias aprendi que os brexiters têm uma só alma colectiva com motivações standardizadas de grupo para a sua opção referendária.

Marcelo ficou contristado e Costa triste com o resultado. O PM não disse, mas podia ter dito, que estar triste ou estar contristado não é a mesma coisa. Mas o curioso é que os jornalistas têm mais interesse em comentários de Costa sobre a votação do que em perguntar ao chefe do Governo o que é que ele está ali a fazer, tal como Juncker fez a Farage.

Andou para aí uma petição para repetição do referendo no Reino Unido até se chegar ao resultado certo. Não sei para quê! Assim como os portugueses que votaram em Passos Coelho queriam era a geringonça a governar, toda a gente sabe que os britânicos que votaram “leave” queriam era ficar na União Europeia.

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Se dúvidas subsistem, certamente Ferro Rodrigues poderá requerer à PGR um parecer sobre o referendo na Grã-Bretanha, questionando: “leave não é a mesma coisa que leave, pois não?”

Em todo o caso o ‪Brexit não deixa de ser abracadabrante! Esta decisão deveria ter sido tomada em Portugal através do voto dos portugueses. Se calhar bastaria até uma sondagem online… Não tendo assim acontecido, o Governo teve de aconselhar os portugueses no Reino Unido a pedirem dupla nacionalidade e a todo o momento Manuel Caldeira Cabral proibirá o abastecimento de automóveis com gasolina britânica.

Há ainda uma vaga de fundo nas redes sociais (não há artigo de opinião que se preze que não faça menção às “redes sociais”…) para decretar com força de Lei que é “certo” o impacto negativo do Brexit, tanto para RU como para UE.

A margem de erro do legislador em antecipar a situação económica e política da Europa em 2019 é, conforme ciência estabelecida, nula. É também certo que, de um dia para o outro, o Reino Unido deixou de estar empenhado nos ideais de paz, liberdade, democracia, bem-estar e desenvolvimento em comum.

O que me chateou nisto tudo e me começou a fazer pensar duas vezes foi o Big Ben ainda estar em Londres e a Torre Eiffel em Paris.

Depois surpreendi-me por Europa e UE serem coisas diferentes. Comecei a ter dúvidas se não seria poesia barata os continentais saberem melhor que os britânicos o que é melhor para o Reino Unido.

Revelou-se então para mim a consideração que muitos dos “líderes” da UE e da trincheira “remain” afinal têm por 48% dos votantes nesta consulta popular: quase metade queriam manter-se na UE, mas agora a UE quer que também eles saiam rapidamente e desamparem a loja. Até 23 de Junho vivíamos melhor se nos mantivéssemos todos juntos em todas as frentes. Agora, para dar uma lição aos 52%, que se dane a outra parte.

Filosofei: entre a segurança do totalitarismo ou a liberdade do desconhecido, qual seria a minha escolha?

Descendo novamente à Terra, noto quão irónico é terem sido David Ricardo (inglês de origens portuguesas) e Adam Smith (escocês) a nos explicar o conceito de vantagem comparativa, por forma a que só não perceba quem não quer que a UE tem toda a vantagem na livre circulação de pessoas, serviços, capitais e bens com o Reino Unido, mesmo depois do Brexit…

Assim, interessa-me sobretudo salvaguardar os meus melhores interesses enquanto cidadão residente em país membro da UE.

Nesse sentido, seria de poupar floriados diplomáticos, evitar tácticas políticas de curto-prazo e deixar de lado orgulhos adolescentes (para quem tenha ficado ofendido ou ressentido) e a União Europeia dizer “desde já” às autoridades britânicas e ao futuro primeiro-ministro do RU que queremos permanecer os mais integrados e próximos possível e se não querem Schengen nem o Euro, pois assim serão bem-vindos no Espaço Económico Europeu.

Se os britânicos votaram com a emoção mas nós, continentais, somos os donos da razão, digam-me três motivos para que assim não se proceda.

Licenciado em Relações Internacionais. MBA. Especialista em Internacionalização.
telmo.azevedo.fernandes@gmail.com