Tenho lido artigos, ouvido queixas, opiniões, sobre o problema da habitação. Nos últimos largos anos a política de habitação passou por favorecer a compra de habitação própria, tida como uma grande conquista social e económica. Com a descida consistente das taxas de juro, que chegaram ao zero, a política manteve-se. Os governos sempre apoiaram esta solução e as campanhas dos bancos, agressivas, ajudaram a consolidá-la. Na contabilidade dos bancos a percentagem de crédito à habitação sobre todos os restantes investimentos e créditos deve ser largamente maioritária. Tenho para mim que ter casa própria não deve ser O objectivo da vida dos portugueses, sobretudo para quem não tem a garantia de ter um emprego “para a vida” (coisa hoje mais rara que o orangotango-de-Sumatra) e com uma folga para as intempéries económicas. O suporte deste negócio, sempre foi a classe média, já que os pobres não têm a mínima hipótese de possuir uma casa e os “ricos” não precisam do crédito e representam uma minoria tão menor que não conta para esta contabilidade.

Ainda agora, o Expresso constata que nunca se transacionou tão pouca habitação em Portugal. A perda de poder de compra da classe média, ou o seu caminho para a irrelevância económica, leva a que a habitação como negócio de venda tenha os dias contados. Os promotores não arriscam, o preço dos solos disponíveis sobe pressionado pela sua raridade por falta de visão dos novos PDM. O preço das matérias primas sobe (pela crise conjuntural, pela procura no Oriente, pela guerra na Ucrânia). A mão-de-obra escasseia e, não menos importante, o peso do tempo, com o custo do dinheiro a subir e o tempo para conseguir concretizar um projecto a duplicar. Acrescem as vendas isoladas que são fixadas sobretudo pelo valor da dívida ao banco do ainda proprietário (basta ver os anúncios de venda com valores quase ao cêntimo).

Olhando apenas para a árvore, favoreceu-se a aquisição de casa por estrangeiros, sendo condição para a obtenção de visto (“gold”). Esta ideia levou à subida injustificada do preço das casas (não do seu valor), inicialmente em Lisboa. Como já disse em tempo, esta onda vai-se transmitindo ao resto do país como quando atiramos uma pedra a um lago e vemos as ondas a progredir.

Há dias, um artigo aqui criticava o governo do Canadá por impedir os estrangeiros de comprar casa. Não é caso único, a proibição de aquisição de casas por estrangeiros, veja-se a Nova Zelândia.

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Com a política da “casa própria”, conjugada com a de congelar as rendas, o mercado de arrendamento desapareceu. Estamos hoje numa situação em que os preços de compra e de renda nas grandes cidades são incomportáveis para a generalidade dos portugueses.

Os investidores, potenciais senhorios, não podem recear que a todo o momento se tenham de substituir ao Estado a subsidiar a habitação, como tem sido norma em discursos populistas e demagogos. Os políticos que defendam o congelamento das rendas “tout court” não têm qualquer vontade de resolver o problema da habitação, mas apenas manter o conflito social.

Para complicar a equação, a grande rotação dos empregos, na geografia, não permite que as pessoas tenham âncoras pesadas que as impeçam de levantar ferro.

Não podemos esperar que uma pessoa faça duas horas de transporte para chegar ao local do emprego e lá chegue satisfeito ou produtivo.

Durante décadas os prédios “de rendimento”, sobretudo nas grandes cidades, eram pertença dos bancos ou seguradoras. Assim que alteraram as regras sobre a obrigatoriedade de deterem activos reais venderam-nos ao desbarato. As dos bancos e caixas mais rapidamente, já que favoreciam o crédito.

Importa inverter este plano inclinado. Começando por facilitar o arrendamento, reduzindo o IMI, baixando as taxas de IRS para os senhorios numa relação com as rendas praticadas. Tornar o negócio apelativo para investidores, sobretudo para os que possam dispor de capital (banca e fundos). E, mais importante: dar sinais, criar um fundo público que faça a gestão apenas para arrendamento dos imóveis do Estado, com poderes para subcontratar.

Daniel Oliveira chama ao problema da habitação “bomba relógio”. Só que a bomba já rebentou, veja-se os professores, médicos, enfermeiros que se recusam a ir para longe por não terem habitação, dos polícias que afirmam dormir nos carros,

Segundo a Pordata, existem em Portugal 6.002.874 alojamentos familiares “clássicos” e também, segundo a Pordata, 4.149.096 famílias. Aparentemente há uma enorme folga, mas não é assim. Basta corrermos o interior para vermos povoações inteiras despovoadas.

Finalmente, o Estado todos os anos legisla, e em consequência aumenta o custo de construção. Cada vez mais exigências, mas área, mais projectos, mais certificações. Mais complexidade em todo o processo. Hoje todas as construções têm de estar adaptadas para deficientes. Deficientes motores e das pernas, diga-se, que se forem invisuais ou não tiverem um braço não tiram vantagem. Assim, as áreas das habitações têm de aumentar e, por muitas voltas que se dê, a área é o principal custo.

Se imaginarmos uma taxa para um fundo de deficiência que seja paga por cada construção, sempre que existisse necessidade real de adaptar uma habitação o fundo pagaria e a redução do preço seria notória.

Finalmente, como também tenho dito, o negócio pode ser rentável para o Estado com rendas moderadas.

Não será possível num dia, nem num ano, mas é possível num ciclo relativamente curto, digamos cinco anos, mudar radicalmente, para melhor, a oferta de habitação.