Se é verdade que “ quem não sabe, é como quem não vê”, não é menos verdade que o que os melhores vêem, vale apenas para um certo nível da realidade. Mesmo aqueles que rotulamos de pessoas que “ vão ao fundo das questões”, possivelmente não reparam eles próprios que esse fundo não é senão um buraco negro que algo ou alguém irá iluminar um dia . E se formos mesmo ao fundo das questões, muitas coisas não são o que parecem , e muitas outras são, e não parecem. 

Vem isto a propósito de uma noção muito interessante de inteligência artificial (AI), típica das redes neuronais (sistemas binários que tentam reproduzir o funcionamento do cérebro humano), os “ Hidden Layers”(HD) , e que podemos simplificadamente descrever como níveis de funções matemáticas especializadas que produzem um determinado output ou resultado. Podemos pensar neles como níveis diferentes e cada vez mais profundos ou ‘escondidos’, de relações de causa-efeito específicas, ou de identificação de realidades.

 Ora , a beleza destes HD é que, quando adequadamente relacionados, ou postos em conjunto, produzem surpreendentes mas verdadeiras identificações de realidades ( por exemplo, um criminoso ), ou predições correctas ( um cancro ) que os humanos não são por si sós capazes de alcançar. 

Nesta altura será de perguntar se estes notáveis resultados da AI estarão , num futuro breve, disponíveis de uma forma generalizada. A resposta é não: é certamente a grande ambição da AI ser uma tecnologia de aplicação universal na sociedade humana , mas por enquanto temos resultados extraordinários, mas apenas num limitado número de situações . Haverá certamente grandes avanços num futuro próximo, incluindo os que decorrerem do desenvolvimento dos Quantum computers , mas para haver um impacto global que a qualifique como a 4a. Revolução Industrial, é consensual que isso está ainda num horizonte teórico e longínquo. 

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No entanto, o ponto que gostaria de defender neste artigo é que, enquanto isto não sucede ( se é que alguma vez acontecerá), nós, humanos, temos enormes vantagens em “virar o bico ao prego” e aprender a usar em beneficio próprio a lógica de funcionamento da Inteligência Artificial e os algoritmos que garantem o sucesso extraordinário do Deep Learning e das Neural Nets em muitas áreas: ou seja, a meu ver, está ao alcance de cada um ser muito mais “inteligente” do que ele próprio imaginaria possível. De facto, tal como estas realidades da AI mimetizaram o funcionamento dos neurónios humanos ( sobretudo através da modelização do seu funcionamento por via de pesos e de “bias” associados a cada neurónio artificial, optimizando, através de inúmeras interacções, o timing certeiro do seu “disparo” digital e consequente eficácia da previsão ou resultado) , também nós podemos aprender a usar a lógica destes sistemas para alcançarmos muito maior eficácia e produtividade, e mesmo resultados que não imaginaríamos.

Neste sentido, em artigo anterior tentei mostrar quão poderosa é uma base de dados pessoal grande e de qualidade, e como o nosso telemóvel, que se constituiu já como o nosso self digital, é o veículo ideal para potenciar resultados a partir dessa sabedoria estática. Vimos como, na minha perspectiva, quem constituir uma metabase de dados pessoal facilmente acessível ( por exemplo, aplicando, na captura da informação, uma lógica dos algoritmos de classificação: ou sequencial, com títulos e subtítulos; ou de laço , usando tags) e souber aproveitar a gigantesca velocidade de processamento do seu smartphone e as suas operativas, irá aumentar exponencialmente as suas capacidades para resolver problemas profissionais e pessoais, e usar o conhecimento arquivado e os portais disponíveis para uma vida com muito maior qualidade e produtividade – parafraseando Elon Musk, sermos “ já hoje” poderosos cyborgs. 

Relativamente aos Hidden Layers da AI, o tema muda para exploração, descoberta, e resolução de problemas: em palavras simples, “ver” , e “resolver” , na vida em geral. Muitos concordarão que o nosso cérebro acumula experiências e cultiva capacidades que são mais fruto de treino do que inatas, e isto tem semelhança com a AI, que usa bases de dados enormes e capacidades de computação gigantescas para se treinar a si própria , embora tenha ‘nascido’ com certos algoritmos inatos, e um set inicial de informação. Ora a inteligência dum sistema estará precisamente, e sobretudo, nas capacidade dos hidden layers , que funcionando a certos níveis menos óbvios, e muitas vezes bastante profundos e complexos, explicam algo ou preconizam um resultado correctamente, sendo que tal resulta não de algum dom misterioso , mas sim de bons modelos matemáticos. A alternativa a isto será o raciocínio humano. Uma análise sociológica dum Joaquim Aguiar, uma análise político-económica dum António Vitorino ou uma tese sócio- financeira dum Sérgio Figueiredo são verdadeiras iluminações sobre tramas, motivações e causas das coisas profundamente insuspeitas para o comum dos mortais, mas não estão ao alcance de serem descortinadas por qualquer pessoa ou máquina, por mais que domine os algoritmos matemáticos : existem variáveis emocionais e sensoriais, e tipos de inteligência humana que os computadores, mesmo os mais avançados, não dominam. No entanto, estou em crer que se analisarmos o substrato dum qualquer tema, com base em registos de tudo (ou quase tudo) que já se sabe dele, com o discernimento e as capacidades importadas dos modelos de sucesso da AI, aplicadas aos métodos dos humanos, provavelmente conseguiremos ir ainda mais fundo, e mesmo muito mais fundo, do que a melhor análise humana baseada nos registos do cérebro e no seu funcionamento tradicional e autónomo. São outras dimensões que podem agora, nesta era digital, ser atingidas em tempo útil: ou mais profundas ainda, ou mais complexas, ou análises do mesmo fenómeno, mas sob outros pontos de vista, e tão ou mais poderosas. Uma coisa é certa: são esses HL de AI, por exemplo, que descobrem cancros (e salvam já hoje muitas vidas), que os médicos não seriam capazes de detectar. Ou com base nos quais um amigo me contou que foi em segurança, desde Lisboa até ao Algarve sempre a dormir, e sozinho, no seu carro. Aproveitemos pois de imediato a boa ciencia dos sistemas digitais para melhorar os sistemas de análise, compreensão , decisão e previsão humanos: as aplicações e implicações são infinitas, mesmo em áreas menos científicas.

Por exemplo, na criação artística. 

Disse Jeff Koons que “ se uma peça de arte não diz nada ao espectador, ela está morta”. Sim, mas eu diria que quem também pode estar “morto” é o espectador, que não tem capacidade para “ver” ou “resolver” aquela peça. Daí a importância das experiências sensoriais serem não só intelectuais mas físicas, espaciais, com muitas viagens aos locais, com explicações presenciais de peritos, e de uma metabase de registos sobre o tema, para se obter os HD que a teoria não descortina . E que misteriosamente , ao possibilitarem a interligação de surpreendentes conexões, fazem chorar de emoção o espectador de maior discernimento. Daí a minha noção preferida de obra- prima: aquela peça em que todos os dias, nela descortinamos novas perspectivas, e novas profundidades. 

Disse Aldous Huxley que Verdade há só uma, a Natureza, e no seu livro “The doors of Perception” demonstrou que a mesma realidade pode ser vista de maneiras muito diferentes mesmo pela mesma pessoa; e é interessante pensar que, ao nível mais geral possível, o que sucede no Mundo pode ser explicado ou pela Teoria da Relatividade; ou pela Mecânica Quântica… e no entanto, as duas são incompatíveis! 

De tudo isto decorre que a vida pode ser vista como uma procura permanente dos hidden layers, que toda a verdade tem o seu contexto, e que os humanos têm muito a aprender com os bons modelos matemáticos, mas isso, penso eu, não significa que tudo é relativo, ou que nada podemos verdadeiramente saber: pelo contrário, há uma ‘verdade’ única, uma solução óptima, para cada questão que escolhermos , e temos o dever de a procurar, só que ela só é válida para um contexto e um determinado nível de conhecimento. É que para cada tema haverá sempre… Hidden Layers.