As únicas pessoas com razão para ficarem surpreendidas com a quantidade de crentes na homeopatia são os carecas cujo agregado familiar é formado apenas por outros carecas. Todas as outras têm obrigação de saber que, enraizada na consciência colectiva, subsiste a crença no princípio homeopático de que uma molécula de um produto pode ser diluída milhões de vezes e, apesar disso, manter intactas as suas propriedades.
Qualquer pessoa que lave a cabeça já foi confrontada com um frasco de champô vazio que, instintivamente, encheu de água para diluir os restos agarrados ao fundo da embalagem, aproveitando a solução para ensaboar os cabelos. Face à alternativa – que implica: a) interromper o duche; b) sair da banheira; c) enxugar-se; d) percorrer a casa nu em busca de nova embalagem; e) voltar ao chuveiro – até o mais racional dos cientistas prefere alinhar na superstição e acreditar que a aguadilha que acaba de misturar mantém a memória do aloé vera que já habitou aquele recipiente de plástico. E há-de repetir a operação no duche seguinte. E no depois desse. E assim sucessivamente, lavando a cabeça com água que depois é enxaguada com água. Ou, na gíria das terapias alternativas, champô homeopático. Ou seja, ao favorecer a homeopatia, a Lei das Terapêuticas Não Convencionais patrocina a preguiça e a falta de higiene.
Obviamente, a homeopatia não é apenas água com memória prodigiosa que lhe permite recordar um ingrediente com que, certo dia, tomou contacto – um conceito que me leva a crer que quem acredita em homeopatia não sabe o que é uma ETAR. Não, a homeopatia é também açúcar. Os remédios homeopáticos, além de água com reminiscências, são guloseimas. Suponho que o objectivo seja afugentar bactérias que façam a dieta do Paleolítico e tenham restrições ao consumo de hidratos de carbono simples. É conhecida a obsessão do bacilo de Koch pelo controle do peso.
Acima de tudo, destaca-se a forma como, na criação do medicamento, o açúcar é adicionado à água com lembranças. O processo chama-se ‘sucussão’, que é o termo pseudocientífico para aquelas sacudidelas que o barman faz com o shaker, ao preparar um cocktail. Têm de ser movimentos constantes, executados sempre ao mesmo ritmo, com a mesma amplitude. Caso haja a mínima variação do compasso, o remédio homeopático não produz efeito. O vírus que se quer tratar, ao aperceber-se que a mistura não foi confeccionada com o rigor exigido, ignorará a água com açúcar que lhe atiraram para cima e continuará o seu trabalho de escangalhar o corpo humano onde está hospedado. Como se o barman dissesse que, por não ter sido abanada da forma prescrita, em vez de uma Piña Colada tinha saído uma 7 Up.
É por levar tão a sério a cadência e a precisão dos movimentos repetitivos, que os melhores departamentos de sucussão do mundo são compostos por autistas. (Talvez não. Talvez este facto seja inventado e um fabricante de remédios homeopáticos me venha desmentir: ‘É falso que a poção mágica que fabricamos com água, açúcar e essência de testículos de minotauro, seja produzida por autistas).
Como o leitor já deve ter percebido, tenho um preconceito contra a homeopatia. Tirando um Oscillococcinum que alguém se esqueceu aqui e que salvou um jantar em que ficámos sem adoçante para o café, não entram remédios homeopáticos nesta casa. Infelizmente, o mesmo não posso dizer do espírito homeopático, presente em todas as crianças da família.
Há quem olhe para um recipiente com líquido pela metade e veja o copo meio cheio. É um optimista. Quem faça o mesmo e veja o copo meio vazio. É um pessimista. E quem olhe para um recipiente quase vazio e considere que tem líquido bastante para encher um copo. É um adolescente face a um pacote de leite. Quem tem destes seres em casa conhece a sensação de chegar ao frigorífico, pegar no pacote de leite e constatar que contém apenas o líquido suficiente para um ligeiro chocalhar. Passou-se o seguinte: ao servir-se, o adolescente percebeu que ia acabar a embalagem de leite. Ora, sendo preguiçoso de mais para a hercúlea tarefa de achatar o pacote, pô-lo no caixote do lixo apropriado, ir buscar outro, abri-lo e limpar o bocadinho de leite que se entorna sempre que se abre nova embalagem, o adolescente prescinde de encher o seu copo e opta por devolver a embalagem ao frigorífico, com os mililitros suficientes apenas para, ao ser confrontado por quem se vier servir depois, poder dizer que, tecnicamente, o pacote não estava vazio. Subjacente a este comportamento está a ideia de que a partir de duas ou três pinguinhas é possível reconstituir o conteúdo original. Basicamente (no sentido de ‘no fundo’, mas também de ‘como um básico’), os miúdos acreditam em leite homeopático.
O que, sendo chato, não é tão desagradável quanto acreditar em papel higiénico homeopático. Sucede quando, em vez de acabarem e substituírem o rolo, deixam-no com a última folha semi-colada. O que acaba por ser paradoxal, já que afecta maioritariamente os consumidores de homeopatia que, por estarem tão bem hidratados, vão muito mais vezes à casa de banho.
São problemas que conto resolver em breve, com a introdução da mesada homeopática. Consiste em passar-lhes uma nota à frente do nariz e dizer-lhes para se governarem com o aroma a dinheiro.