1. A concretizar-se, a venda do Banif significara o encerramento de uma era no banco: uma instituição detida maioritariamente pela família de um empresário português (após a transição onde o Estado foi o maior acionista). Horácio Roque era um homem invulgar e simbolizava um Portugal que já não existe. De origens humildes, cedo (com 12, 13 anos) percebeu que o país talvez fosse demasiado pequeno para as suas ambições e partiu para Angola. Em Luanda, começou a trabalhar arduamente muito antes de outros fazerem o exame do quinto ano, poupou e iniciou os seus investimentos, numa idade em que muitos ainda não concluíram a universidade. Investiu em escolas e em restaurantes e, quando se deu a independência de Angola, já se tinha tornado um empresário de sucesso. Foi obrigado a emigrar para a África do Sul onde começou, do zero, uma nova vida de empresário. Nos anos de 1980, regressou a Portugal e desenvolveu os seus investimentos, desde a indústria e o turismo até à banca e às seguradoras. Foi nos anos de 1990 e ate ao início da crise financeira em Portugal, um dos empresários de maior sucesso no nosso país.

A vida e a obra de Horácio Roque constituem um exemplo. Um verdadeiro empreendedor, sem medo de arriscar e com visão para criar riqueza. Num país onde há muita inveja em relação a quem tem dinheiro, é importante sublinhar que a criação de riqueza beneficia milhares de pessoas. Os investimentos de Horácio Roque criaram dezenas de milhares de postos de trabalhos e ajudaram milhares de pessoas a viverem melhor e também elas a criar riqueza. A admiração e o apreço que os trabalhadores tinham por Horácio Roque testemunham a sabedoria com que geria as suas empresas. Ao contrário do que afirmam certas ideologias radicais, os empresários e os trabalhadores sentem-se bem próximos uns dos outros.

2. O futuro do Banif simboliza de certo modo o destino do sistema financeiro português. Possivelmente, as participações do Estado português serão vendidas a um investidor estrangeiro, e o mais provável é que sejam a um banco espanhol. Desconfio que assistiremos a situações semelhantes no futuro com outros bancos portugueses. A crise provocou uma revolução no sistema financeiro português, a qual esta longe de ter chegado ao fim. A abertura dos bancos a investidores estrangeiros (tendência que de resto começou antes da crise) irá acentuar-se. Hoje, os maiores acionistas do BCP e do BPI são angolanos e espanhóis respectivamente. O mesmo acontecerá com o Banif e depois com o Novo Banco. Simultaneamente, será inevitável assistirmos a uma consolidação do sistema bancário português. A grande questão será saber se passaremos de cinco ‘grandes’ (CGD, BCP, Novo Banco, Santander e BPI) para três ou para quatro.

A natureza da consolidação está, em grande medida, ligada à nacionalidade dos principais investidores estrangeiros. Depois do falhanço da primeira tentativa de venda do Novo Banco, parece claro que os investidores chineses deixaram de ter ambições em relação a aquisições no sistema financeiro português. A crise do preço do petróleo – a qual vai ainda durar uns anos – torna improvável o reforço de posições por partes de investidores angolanos. Os principais bancos privados brasileiros, o Itaú e o Bradesco, nunca mostraram um verdadeiro interesse em investir em Portugal. Restam os bancos espanhóis. No actual contexto financeiro global, o aumento do investimento espanhol no sistema financeiro português parece ser o cenário mais provável. Se for esse o caso, julgo que a consolidação poderá ser de 5 para 3. Mais perturbador, daqui a sensivelmente dois anos, o sistema financeiro português poderá ser a mera continuidade do sistema financeiro espanhol.

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Não e igualmente claro que a CGD possa continuar a ser detida inteiramente pelo Estado por muito tempo. O banco enfrenta ainda sérios problemas de recapitalização e o Estado não tem grandes folgas para resolver o problema. E neste caso – como de resto noutros casos – a realidade conta mais do que as preferências ideológicas. Desconfio que, daqui a uns anos, a principal questão sobre a CGD não será a sua abertura a capital privado mas a nacionalidade do seu maior acionista. Convém começar a pensar numa estratégia para manter pelo menos um banco detido maioritariamente por capital nacional (público ou privado). Quando o momento chegar, o governo terá que ter uma estratégia clara para começar a abrir, gradualmente, a estrutura acionista da CGD a capitais privados, mantendo uma posição maioritária do Estado, pelo menos numa primeira fase.

A experiência recente mostra que quando estamos perante o inevitável e tarde de mais para solucionar os problemas. A consolidação do sistema financeiro português irá acontecer e será dominada, maioritariamente, por bancos espanhóis. Resta saber se, no final do dia, haverá pelo menos um banco português. Público ou privado, será uma questão secundária.

Aviso: Sou amigo da Teresa Roque e tenho uma grande admiração e estima por ela.