Quis o destino que as nossas gerações fossem confrontadas com um desafio de proporções e consequências inimagináveis. Como empresários e gestores estamos seguramente a viver, muito provavelmente, as maiores dificuldades da nossa vida profissional.

Passadas estas semanas de luta, em muitos casos heroica, em especial dos profissionais da saúde, para conter esta pandemia, perante a evolução do número de novos infetados no nosso país, parece poder concluir-se que a sociedade civil e o Estado tomaram no momento certo as decisões corretas.

Diga-se em abono da verdade que a sociedade civil em muitos casos se antecipou ao Estado.

Muito provavelmente, apesar das incertezas, que não são apenas nossas, cidadãos comuns, mas também dos especialistas da saúde, tanto dos técnicos como dos académicos, entrámos numa fase de controlo do processo de novos contágios e estamos a conseguir realizar o objetivo de achatar a respetiva curva.

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A este respeito vale a pena referir que a incerteza com que todos nos defrontamos é também determinada pela incapacidade dos especialistas de saúde, a nível nacional e internacional, para estabelecer modelos fiáveis, que permitam garantir solidez das previsões epidemiológicas e segurança nas decisões.

Nestas circunstâncias de algum otimismo e também de alguma incerteza, é fundamental para os empresários, quaisquer que sejam os desafios com que cada um se defronta, terem um quadro de referência mais claro sobre o futuro.

Temos de ter um horizonte de esperança. Paralelamente às decisões no domínio da saúde para controlo da epidemia, este é o grande desafio do Governo. Temos de começar a debater e a preparar, desde já, o regresso progressivo à normalidade nos próximos meses.

Ainda que com todas as ressalvas e pressupostos, é preciso estabelecer um horizonte temporal para o início da retoma gradual da vida económica e social e, tão cedo quanto possível, com base numa estratégia consistente, tomar as decisões que permitam que essa normalização se realize com a maior segurança possível em termos de saúde.

A este respeito, neste momento, temos a certeza de duas incertezas. Não é possível definir uma data rigorosa, mas é possível ter um horizonte temporal como referência. Não é possível ter segurança total em termos de saúde após a reabertura, mas é possível prepararmo-nos de forma sólida.

Tem de ser definida uma estratégia que permita que tenhamos, com a progressiva reabertura, capacidade para controlar e fazer face à evolução da pandemia.

Com grande antecedência em relação ao início da gradual normalização da vida económica e social tem de se tomar as decisões necessárias, nomeadamente em termos de investimentos em equipamentos médicos, aquisições de materiais, definição de procedimentos e comunicação. Tem que se começar a debater e decidir quando e como.

Quanto é que se vai investir no reforço da capacidade do sistema de saúde? Vão-se generalizar os testes? Como é que se vai controlar os cidadãos infetados? E os potencialmente infetados? Como é que se vai proteger os cidadãos de terceira idade e os de maior risco? Quando é que vamos abrir fronteiras? Quais serão os novos protocolos de comportamento social?

Será também necessário definir com que indicadores se irá controlar as consequências, em termos de evolução dos contágios e de capacidade de resposta do SNS, das decisões tomadas.

Estas são questões que nos assolam a todos, mas seguramente há muitas mais que os especialistas considerarão necessário responder.

É também fundamental a coordenação da estratégia a seguir com os nossos parceiros comunitários. Passaremos assim do confinamento e contenção geral para uma contenção inteligente, gradual, assente em decisões que deixarão de ser transversais. Em termos de confinamento e mitigação, tem de deixar de ser tudo para todos.

A decisão do início progressivo da reabertura da vida económica e social e dos termos em que ocorrerá, exigirá determinação e uma grande coragem política. A unanimidade nacional não irá manter-se.

Da fase de prioridade absoluta ao controlo da pandemia, para garantir a capacidade de resposta do sistema de saúde, em que houve uma unanimidade social e política, passar-se-á a uma fase de equilíbrio entre o controlo dos contágios e a normalização da vida, que envolve riscos e incertezas.

Haverá múltiplas opiniões sobre as decisões tomadas e a tomar, a maioria das quais com visões parcelares da realidade que vivemos, algumas fazendo eco do medo de uma parte significativa da população.

Com a reabertura, o debate político vai também renascer, tendo como base visões diferentes sobre liberdade e segurança, saúde e economia, Estado e iniciativa privada.

Nesta decisão o Governo terá de avaliar a situação da epidemia, a necessidade de se ter o maior controlo possível da sua evolução e evitar uma segunda vaga de contágios, mas terá também de ter em conta o brutal impacto económico e social que as decisões até agora tomadas tiveram.

Nas atuais circunstâncias não nos podemos deixar de questionar sobre os limites aceitáveis para a destruição da economia e consequente aumento do desemprego e da pobreza.

Relativamente a outras áreas da vida social também se colocam questões pertinentes que não têm sido discutidas. Por exemplo, sobre o impacto a prazo do adiamento generalizado de consultas, exames e cirurgias.

Por muito que haja solidariedade europeia através da intervenção do BCE, BEI e MEE, há também limites, queiramos ou não, para o desequilíbrio das contas públicas e para o aumento do endividamento público, que a prazo, para além de outras consequências dramáticas, poderão limitar a própria capacidade de resposta do SNS.

A partir de certo momento, não podemos ter exclusivamente como critério para fundamentar as decisões políticas o controlo da epidemia nem podemos depender apenas da opinião dos técnicos, especialistas e dirigentes públicos da saúde. A sua opinião é fundamental, mas a decisão tem que ser política e ter como referência uma visão integrada da realidade.

É fundamental para os empresários e gestores ter a certeza que estas decisões políticas estão a ser ponderadas e que haverá no momento certo coragem para tomar as que sejam necessárias.

Saber o que o Governo vai fazer e quando, tendo em conta naturalmente os pressupostos que neste ambiente de incerteza sejam necessários, permitirá que tenhamos esperança. O como e quando, bem como os respetivos pressupostos tem que ser comunicado pelo Governo e debatido.

Só assim será possível um consenso, o mais alargado possível, sobre a necessidade de começarmos a construir o futuro, voltando progressivamente à normalidade, com segurança em termos de saúde pública.  Sabendo naturalmente que a segurança nunca será total.