Já rola a bola no Mundial do Qatar 2022. Que refrescante! Sim, sim, era mesmo “refrescante” a palavra que buscava. Ainda que as temperaturas no Qatar apresentem semelhanças com as sentidas nas orelhas de António Costa desde a publicação do livro O Governador (do Banco de Portugal, Carlos Costa), da autoria de Luís Rosa. E ter começado o Mundial do Qatar é refrescante porquê? Porque depois de rolarem tantas cabeças de trabalhadores da construção durante a preparação da prova, por fim rolam apenas esféricos nos estádios do Qatar.

Desfrutemos pois deste mundial do Qatar, até em jeito de amuse-bouche para um já semi-prometido eventual futuro campeonato do mundo de futebol na Coreia do Norte. Pelo menos o presidente da FIFA, Gianni Infantino, abriu a porta à realização dessa competição. Disse ele que foi à Coreia do Norte há alguns anos perguntar se queriam organizar o Mundial feminino com a Coreia do Sul. E acho que a conversa com o Kim Jong-Facínora III-un foi mais ou menos assim:

Infantino: Escute, num intervalo entre mandar mísseis contra o Japão, você devia era organizar um Mundial de futebol aqui na Coreia do Norte, em conjunto com a Coreia do Sul.

Kim Jong-Facínora III-un: Hum… Um Mundial de futebol não estou muito interessado. Mas e guerras atómicas? Você também organiza guerras atómicas? Imagine: um mega-evento sem fase de grupos, em que se disputava logo a final. Coreia do Norte contra, lá está, Coreia do Sul. À porrada, com bombas nucleares. Hã? Que tal?

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Infantino: Soberbo. Parece que já estou a ver a cerimónia de abertura do certame e tudo, com uns efeitos pirotécnicos lindos, mas lindos.

Enfim, enquanto sonhamos com competições futuras, concentremo-nos nos pesadelos da competição presente. Em especial, na possibilidade de a nossa representação na prova do Qatar voltar para casa antes de tempo. E não, não me refiro à selecção de futebol. Que vaticino erguerá o troféu de campeã graças a um golo de calcanhar de António Silva. Assistido por João Mário, após soberba triangulação com Gonçalo Ramos, desmarcado por Bernardo Silva, beneficiando de um passe de João Félix, após corte de Ruben Dias, que deixa o esférico à mercê de João Cancelo. No fundo, aquele movimento ofensivo tão característico da selecção nacional.

Não, o meu receio não é a selecção de futebol voltar prematuramente a Portugal. Quem temo esteja de volta muito antes do que desejávamos é a outra selecção nacional. Aquela em que pontificam os titulares dos três mais altos cargos da nação: Marcelo Rebelo de Sousa, Augusto Santos Silva e António Costa. Selecção esta que estará presente no jogo de Portugal frente ao Gana, para marcar uma posição, muito forte, sobre os direitos humanos. Nomeadamente o direito dos humanos Presidente da República, Presidente da Assembleia da República e Primeiro-Ministro visionarem jogos da bola no Qatar a expensas dos contribuintes portugueses.

Mas atenção, longe de mim desvalorizar a dificuldade que é criticar o regime do Qatar. Mais. Confesso mesmo não saber como actuar neste caso. Porque se por um lado estou solidário com os activistas que se insurgem contra, por exemplo, o desrespeito pelos direitos das mulheres e a criminalização da homossexualidade no Qatar, por outro lado tenho dificuldade em esquecer a recorrente acusação, escutada aos mesmíssimos activistas, de que impor padrões morais do mundo ocidental a outras culturas mais não é que desprezível colonialismo. Portanto, o que fazer? Eh pá, não me perguntem a mim. Mas talvez gritar “Portugal! Portugal!”