A política nacional está de parabéns, em particular o primeiro-ministro, António Costa (PS). É demasiado cedo para se saber qual o potencial deste novo governo por si encabeçado e que mudanças estruturais conseguirá implementar para que o país se desenvolva económica, social, cultural e educativamente. Mas de uma coisa já podemos estar certas/os: este executivo espelha um trabalho conseguido ao nível de uma das condições da igualdade. É o primeiro governo, em Portugal, em que se alcança a paridade de género. Com António Costa incluído, o governo tem dezoito ministras/os, sendo nove delas mulheres. Sem o primeiro-ministro, o governo tem mesmo mais pessoas do sexo feminino do que do sexo masculino a comandar as pastas ministeriais.

Contudo, para entendermos ainda melhor este feito, façamos uma breve viagem no tempo pelos governos constitucionais de Portugal. O primeiro deles em que surge uma mulher como ministra é o V, liderado por Maria de Lurdes Pintassilgo (independente), em 1979. No entanto, este governo teria várias precariedades ao nível da igualdade de género e do seu próprio funcionamento: para além de Pintassilgo ter sido a única mulher do executivo, este durou cerca de meio ano e só funcionava em modo de gestão, não havendo muito espaço de manobra para compreender as virtualidades do mesmo. Em 1985, com Cavaco Silva (PSD), o X Governo Constitucional é finalmente composto por uma mulher a gerir, com plenitude de funções, uma pasta ministerial: Leonor Beleza, na Saúde. Somente dez anos depois, em 1995, no XIII Governo Constitucional, comandado por António Guterres (PS), é que o número de ministras sobe para três, as quais encabeçariam os ministérios da Saúde, do Emprego e do Ambiente. Depois deste marco, mulheres foram assegurando pastas ministeriais múltiplas nos sucessivos governos, percorrendo quase todo o espetro de áreas de ação política: Planeamento, Finanças, Negócios Estrangeiros, Justiça, Ciência e Ensino Superior, Educação, Trabalho e Solidariedade Social, Administração Interna, Agricultura e Mar, Presidência, Modernização Administrativa e Administração Pública e Coesão Territorial. Até 2021, o governo com maior número de mulheres seria o XXII, de António Costa, com 8 mulheres em 20 ministros/as (ele incluído), resultante numa taxa de 40% de participação feminina.

O XXIII Governo vem, pois, quebrar o tabu de que a política só pode ser possível caso haja uma quantidade maioritária de homens na liderança de ministérios. António Costa consegue fazê-lo não só a partir da nomeação de mulheres para pastas já tradicionalmente femininas, se considerarmos o critério quantitativo – Saúde, Educação ou mesmo Justiça – como promove uma maior participação daquelas em pastas tão diferentes como o Trabalho e a Solidariedade Social, a Agricultura, os Assuntos Parlamentares, a Ciência e Ensino Superior ou a Presidência. É também de salientar que Mariana Vieira da Silva, que gere esta última pasta, parece ser a segunda pessoa na orgânica ou hierarquia informal do governo, o que, se relembrarmos as duas semanas no verão passado em que se assumiu primeira-ministra em exercício, quando era número quatro no respetivo governo, pode ser um novo presságio da possibilidade de, a curto ou médio prazo, termos na chefia de um executivo uma mulher em total exercício de funções. Finalmente, Costa consegue uma terceira conquista: pela primeira vez, teremos um governo em que o Ministério da Defesa Nacional será liderado por uma mulher – Helena Carreiras – mostrando que a força das armas e do exército pode ser perfeitamente bem administrada por uma senhora se pensada de modo racional e organizada competentemente.

É um governo paritário condição suficiente para que consigamos atingir os objetivos que o nosso país há muito precisa para se evidenciar em contexto europeu e mundial? Não, não é, a história está repleta de mulheres e homens que executaram mal o seu trabalho. Todavia, é um sinal dos tempos, tempos em que a igualdade já não se fica pelas intenções e pelo papel e é reconhecida como uma indispensabilidade à coesão social e ao desenvolvimento humano. Por outro lado, é um desafio que nos é colocado enquanto sociedade, o de identificar as capacidades e as fraquezas deste novo executivo e de compará-las com as dos governos predecessores. É importante assinalar estes marcos numa dupla dialética: de celebração de um avanço civilizacional e de objeto de escrutínio para garantir a união entre menor desigualdade e maior qualidade política e de vida em comunidade.

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