A proposta de avançar com o englobamento no IRS dos rendimentos de capitais e prediais, incluída no programa do Governo, traz à discussão a questão da desigualdade na distribuição da riqueza. A riqueza resulta da poupança das famílias. Isto é, depois de pagos os impostos, as famílias optam por poupar uma parte do seu rendimento e aplicá-lo na aquisição de activos que lhes garantam uma remuneração. No contexto de uma economia de baixo crescimento, com um mercado de capitais ainda incipiente e juros dos depósitos bancários próximos do zero (e penalizado por comissões bancárias cada vez mais elevadas) não é tarefa fácil. A estes rendimentos aplica-se uma taxa única de 28%. Esta taxa só parece ser baixa àqueles que já se habituaram às taxas de IRS absurdamente altas que hoje vigoram em Portugal.

Os dados do Inquérito à Situação Financeira das Famílias (ISFF), realizado de três em três anos pelo Banco Central Europeu e implementado em Portugal pelo Instituto Nacional de Estatística e pelo Banco de Portugal, dá-nos informação muito útil sobre a distribuição da riqueza. Em Portugal, como na generalidade dos países desenvolvidos, a distribuição da riqueza é muito desigual e é muito mais desigual do que a distribuição do rendimento.

De acordo com o ISFF de 2017, o grupo dos 10% de famílias com maior riqueza possuía cerca de 54% da riqueza total. Por outro lado, o grupo correspondente a 50% das famílias com menor riqueza possuía apenas cerca de 8% da riqueza total. A desigualdade na distribuição da riqueza é uma das causas da elevada desigualdade e tem levado a propostas – muito discutidas nos Estados Unidos pelos candidatos à presidência pelo Partido Democrata – de maior tributação da riqueza.

A questão do englobamento em IRS dos rendimentos de capitais e prediais tem subjacente essa desigualdade: como nos mostram os dados do ISFF, não só existe uma distribuição muito desigual da riqueza, como as famílias com mais rendimentos são as famílias com mais riqueza. Este resultado não surpreende se tivermos em conta que o grupo de 20% das famílias com rendimentos mais elevados representa cerca de 70% da poupança total das famílias. Acresce que a riqueza detida pelas famílias mais ricas tem maiores remunerações, porque têm ao seu dispor aplicações com maior complexidade e rendibilidade. Ao invés, o principal activo das famílias com menores rendimentos é a habitação e as aplicações financeiras concentram-se nos depósitos bancários.

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Neste contexto, faz todo o sentido considerar os argumentos a favor da introdução de progressividade na tributação dos rendimentos de capitais e prediais. Uma taxa igual para todos, num contexto de tão elevada desigualdade, deve ser questionada, como fez Susana Peralta em artigo no jornal Público. No entanto, não é possível avaliar a possibilidade de englobamento dos rendimentos de capitais e prediais sem ter em consideração as taxas a que estes iriam ser tributados em sede de IRS.

A tributação sobre o rendimento do trabalho em Portugal é das mais elevadas da União Europeia. Em Portugal, a partir de 20 261 euros de rendimento a taxa marginal de IRS é de 35%, sendo de 45% para rendimentos acima dos 36 856 e de 50,5% para os rendimentos acima de 80 640 euros. Os rendimentos acima de 250 mil euros pagam uma taxa de 53%. Quando se têm em conta estes escalões de IRS, são óbvios os riscos de o englobamento resultar numa redução da poupança das famílias portuguesas (na UE, só as famílias gregas poupam menos) e numa fuga de capitais. O elevado endividamento externo torna a economia portuguesa mais dependente da poupança gerada internamente. Vejamos, por exemplo, as implicações do englobamento no caso dos dividendos, isto é, dos lucros distribuídos às famílias pelas empresas. À semelhança do que acontece na maioria dos países, os lucros distribuídos às famílias pagam uma taxa específica e única. A taxa aplicada em Portugal (os já referidos 28%) é uma das mais elevadas da UE, havendo 18 países com uma taxa sobre dividendos inferior à portuguesa (por exemplo, na Espanha a taxa é 23% e na Grécia 15%). Por outro lado, os lucros das empresas portuguesas já estão sujeitos a uma das taxas de IRC mais elevadas da OCDE, que pode ir de um mínimo de 21% até um máximo de 31,5%. Na situação actual, sem englobamento, a tributação dos dividendos em Portugal varia entre um mínimo de 49% e um máximo de 60%. Com englobamento, a tributação sobre os lucros distribuídos poderia ultrapassar os 80%!

A tributação da riqueza e dos seus rendimentos é atraente porque a desigualdade na riqueza pode gerar desigualdade de oportunidades. Os primeiros liberais, por exemplo, tendiam a favorecer a tributação da riqueza face à tributação do rendimento, dado que enquanto este recompensaria o trabalho, a riqueza herdada não teria grande mérito. Assim, para sermos todos iguais à nascença, como Thomas Jefferson escreveu na Declaração de Independência dos Estados Unidos, deve promover-se a igualdade de condições económicas.

No entanto, os liberais cedo perceberam que as heranças ligam as gerações presentes e futuras. As heranças podem pôr em causa a igualdade de oportunidades, mas são elas que garantem que as pessoas não vivem apenas para o presente, consumindo todo o rendimento que geram. É este comportamento que alimenta a ideia de progresso – desejar que os nossos filhos tenham uma vida melhor do que nós – garantindo também as condições para o crescimento da economia: é a poupança que financia o investimento, que aumenta o stock de capital e o crescimento económico.

Mas talvez seja tudo bem mais simples e esta proposta do Governo vise apenas encontrar mais uma fonte de receita. Na última legislatura, o aumento da receita fiscal (12%) teve um papel essencial na consolidação das contas públicas. Nos próximos anos, o espaço para aumentar as receitas dos impostos e das contribuições sociais será mais reduzido. O mercado de arrendamento e os rendimentos aí gerados tiveram um grande aumento nos últimos anos – entre 2015 e 2017, os titulares de rendimentos prediais aumentaram de cerca de 520 mil para cerca de 590 mil (dados da Autoridade Tributária).

Concluindo, talvez esta proposta não seja realmente uma proposta de esquerda, que visa maior igualdade. Talvez seja apenas, mais uma vez, o espremedor das Finanças a funcionar.