A campanha eleitoral tem vivido de casos, casinhos e polémicas descartáveis, demasiado virada para o passado e com protagonistas que, tendo responsabilidades no estado a que chegámos, já não fazem parte da solução.

Mas um dia chegará no futuro em que teremos que encarar de frente os desequilíbrios na Segurança Social e no sistema de Saúde, ambos cada vez mais pressionados pela evolução demográfica. Esse será o momento em que a sociedade será confrontada, sem tabus, sobre o nível de financiamento que está disponível para assumir e os benefícios que dele quer tirar.

Podemos ir escondendo o problema debaixo do tapete, pensar que agora vamos ter imensos filhos, que a economia vai florescer, o emprego disparar e viveremos felizes para sempre.

Mas não é isso que a experiência nos tem dito. As crises, imprevisíveis, aparecem ao virar da esquina. E cada uma delas faz aproximar o momento da ruptura em que as receitas deixam de cobrir os encargos.

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Basta recordar que há 14 anos o primeiro-ministro António Guterres nos dizia que as reformas estavam garantidas até ao final do século. Sim, até ao final deste século XXI, por obra e graça de uma nova fórmula de cálculo.

Sabemos que essa ilusão, que hoje parece uma anedota, teve curto prazo de validade. Passados apenas cinco anos um novo governo socialista fez uma nova mudança no sistema, sensata e que dá frutos, mas que também não garante a sustentabilidade eterna.

Dois números do mais recente relatório da Comissão Europeia sobre o tema (de Março deste ano). Se nada for feito, daqui a 10 anos a taxa de substituição do último salário recebido pela primeira pensão será de 44,8%. Ou seja, por cada 100 euros de ordenado no último mês de vida activa, o novo reformado só vai receber 44,8 euros de pensão. E em 2060 esse valor passa para 30,7 euros. É isto que queremos para a nossa velhice, que felizmente será cada vez mais prolongada?

O debate desta quinta-feira entre Passos Coelho e António Costa teve o mérito de dar grande visibilidade ao tema do Estado social.

As contas de Costa, o socialista, preveem um corte de 1000 milhões em prestações sociais ao longo de quatro anos, que ele não soube ou não quis identificar com precisão.

As contas de Passos, o social-democrata, contam com a necessidade de conseguir mais 600 milhões ao longo de quatro anos, entre mais receitas e/ou menos despesas que o próprio também não quer identificar.

E todo o sistema, para continuar a funcionar, precisa de forte revisão no dinheiro que entra e no dinheiro que sai. Ou se entendem para uma reforma alargada, como Passos sugere, ou continuaremos de remendo em remendo até ao estoiro final, como parece ser neste momento a opção calculista de Costa.

Seja como for, ficou claro que em ambos os cardápios se conta com mais dinheiro a entrar ou menos dinheiro a sair. Era importante que tanto um como outro fossem agora mais precisos sobre as soluções concretas que têm na cabeça, sem prejuízo de as discutirem depois com outros partidos e parceiros sociais.

E essas soluções devem indicar com honestidade os grupos-alvo que devem pagar o grosso da factura. São os pensionistas com as pensões mais elevadas que vão sofrer um corte? São alguns beneficiários de apoios sociais que deixarão de os ter? Vamos todos pagar mais IVA para sustentar o sistema? As portagens vão ser mais elevadas? Emite-se dívida que as próximas gerações, coitadas, vão pagar? São os lucros das empresas que vão ser mais tributados e, com eles, os accionistas recebem menos dividendos? Serão os proprietários de imóveis e senhorios chamados a pagar? Tributam-se as transacções financeiras? Há poupanças noutras despesas do Estado para compensar estas? Vamos ao cofre do ouro do Banco de Portugal para pagar períodos de transição?

As soluções podem ser mais ou menos óbvias, mais criativas ou mais clássicas. Mas não há milagres. Se falta dinheiro, alguém tem de deixar de receber ou alguém terá que pagar mais. E é da mais elementar justiça que se diga quem são esses “alguém”. Não dá jeito porque estamos em campanha eleitoral? Pois, precisamente por isso. Se estão ambos tão apostados em falar verdade e em não prometer nada que não possam cumprir podiam começar por aqui. Seria um melhor início para uma boa relação.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com