35 anos volvidos desde que foi registado o primeiro caso de Infecção por VIH em Portugal, o que mudou desde o surgimento da zidovudina como primeiro fármaco disponível no mercado?

A resposta é simples mas não imediata. Podemos dizer que é simples, porque apesar de ainda sem cura, estes 35 anos de evolução permitiram que a infecção por VIH passasse a ser considerada uma doença crónica. Mas não é imediata porque múltiplos factores contribuíram para a alteração no paradigma da doença ao longo deste período de tempo.

Se olharmos esta evolução em termos de abordagem terapêutica, o aumento do portfólio de fármacos antirretrovirais com diferentes mecanismos de acção permitiu a preconização da terapêutica tripla como tratamento standard e a possibilidade de selecção de cada regime adaptado às características do doente.

A variabilidade de combinações disponível tornou-se extensa. Se os dez regimes mais prescritos são utilizados em 59% dos doentes, os restantes doentes distribuem-se por mais de trezentas variações de regimes possíveis1.

Para além das inúmeras possibilidades de regimes e face ao incremento substancial da longevidade dos doentes, a infecção por VIH acarreta agora desafios diferenciados para o futuro, passando a ser necessário lidar com os efeitos adversos destas terapêuticas a longo prazo, a garantir a sustentabilidade do Sistema Nacional de Saúde e a promover a adesão do doente ao tratamento prescrito, sendo que esta tríade tem toldado as decisões clínicas e não clínicas que todos os dias são tomadas.

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Em termos de sustentabilidade e apesar da inovação terapêutica que tem surgido, a generificação de fármacos relevantes faz com que 60% dos doentes contenha, no seu regime prescrito, pelo menos um componente para o qual existe actualmente genérico disponível no mercado.1

Mas sendo a adesão considerada a chave do sucesso a longo prazo, diferentes abordagens têm sido seguidas de forma a tentar atingir, em cada doente, os 95% de adesão que este tipo de tratamento requer, procurando melhorar não só a comodidade de administração da terapêutica mas também facilitar o acesso dos doentes à mesma.

Surgiu, assim, a recorrência à simplificação dos regimes instituídos por redução do número de tomas diárias, sendo que se verifica que actualmente 35% dos doentes faz apenas um único comprimido por dia.1

Por outro lado e, com o intuito de promover a adesão em doentes com baixos recursos económicos e/ou com vida profissional activa, encontra-se em vigor um projecto-piloto de descentralização da dispensa da terapêutica em ambiente hospitalar.

Este projecto, cuja primeira fase do mesmo teve início no final de 2016, permitiu que a terapêutica antirretroviral fosse dispensada em farmácia comunitária a um conjunto de doentes, tal como já acontece em países como a França, a Holanda e a Suécia. O objectivo desta medida era permitir a liberdade de escolha quanto ao local de dispensa do tratamento, diminuindo as deslocações ao hospital, reduzindo os tempos de espera e alterando a necessidade de cumprimento de horários de dispensa mais restritos.

O que inicialmente se apresentou como um projecto ambicioso, acabou por se revelar muito menos do que esperado e na primeira fase do estudo, apenas 47 doentes do Hospital de Curry Cabral viram a sua medicação ser dispensada em farmácias comunitárias da região de Lisboa.2

Os resultados, ainda que baseados numa pequena cohort de doentes, permitiram concluir que os benefícios encontrados neste tipo de prática eram suficientes para sustentar uma segunda fase do projecto e a hipótese de o alargar não só a outras instituições, mas também a outras regiões do país.

A evolução deu-se não só no tratamento e em termos processuais, mas também no âmbito da prevenção, onde entre outras medidas tomadas, está hoje disponível o acesso precoce à Profilaxia de Pré-Exposição (PrEP) a populações de risco acrescido com o intuito de evitar a transmissão da Infecção por VIH do tipo 1 e reduzir o número de novos casos.

Estes 35 anos de experiência permitiram definir uma trajectória ascendente no acompanhamento dos doentes com infecção por VIH, que está ainda longe de atingir o plateau, pelo que a resposta ao que mudou na gestão da doença continuará a ser complexa nos tempos que se avizinham.

Hospital Offering Manager, IQVIA Portugal

1 IQVIA HIV analytics – Setembro de 2018
2 Relatório analítico da actividade assistencial e desempenho económico-financeiro do Centro Hospitalar Lisboa Central – Dezembro 2017