A inflação continua sem dar tréguas às famílias e às empresas. O Banco Central Europeu, no anúncio do novo aumento das taxas de juro na passada quinta-feira, apresentou previsões para a taxa de inflação na área do euro: 8,1% em 2022 e 5,5% em 2023. Com a interrupção do fornecimento do gás russo, os preços da energia continuarão a ser pressionados em alta. O presidente do banco central alemão prevê que a taxa de inflação alemã possa atingir o valor máximo de 10% em dezembro (8,5% em julho), prevendo uma taxa de 6% para 2023.

Ou seja, a inflação vai continuar a penalizar o poder de compra das famílias e os custos das empresas em 2023. E vai ser a variável mais importante para o Orçamento do Estado de 2023, que Fernando Medina está a preparar.

Em 2021, na discussão do Orçamento do Estado para 2022, Luís Aguiar-Conraria já se queixava que os rendimentos não acompanhavam o aumento da inflação e que o grande debate em 2022 seria sobre a persistência da inflação. Em 2022, a taxa de inflação disparou com a invasão da Ucrânia pela Rússia, surpreendendo mesmo os mais avisados. António Costa, apoiado pelas previsões de Mário Centeno – que em maio de 2022 era dos poucos economistas respeitáveis que ainda defendia que a inflação era transitória – acreditou, ou quis fazer acreditar, que a inflação seria passageira. Tão passageira que os portugueses mal dariam por ela. O primeiro-ministro ainda tinha o Orçamento de 2022 para aprovar e não queria que os salários acompanhassem os aumentos dos preços. Centeno veio em seu apoio, apelando à cautela nos aumentos salariais.

Mas a inflação não só continuou a aumentar, como não tem dado sinais de abrandamento. E quando a inflação é elevada e persistente não é possível escondê-la.

As famílias sentem e queixam-se da perda de poder de compra, com o aumento dos preços a alargar-se a um número cada vez maior de produtos e serviços. Primeiro, sentiram nos combustíveis, energia e nos bens alimentares. Hoje, começam a sentir o aumento das mensalidades dos empréstimos à habitação. Para muitas famílias, a inflação, e o seu impacto nas taxas de juro, vai representar em 2022 e em 2023 uma perda de poder de compra significativa. Vale a pena ver as contas que Susana Peralta fez no artigo da passada sexta-feira, no jornal Público.

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Inflação é empobrecimento. Sobretudo para os mais pobres.

Foi assim que, na semana passada, o primeiro-ministro apresentou o pacote de medidas de apoio às famílias, sob o mote ‘As famílias primeiro’. Num contexto de aumento das taxas de juro, penso que o valor total das medidas anunciadas, cerca de 2,4 mil milhões de euros, representa um esforço apropriado à situação das finanças públicas. Ir mais longe para compensar a perda de poder de compra das famílias poderia pôr em causa a confiança dos investidores na sustentabilidade da dívida pública. Por outro lado, os portugueses aprenderam a dar valor à solidez das finanças públicas.

Na aplicação do pacote de medidas, teria preferido uma maior concentração dos apoios nos grupos trabalhadores, desempregados e pensionistas de rendimentos mais baixos.

Não sei se António Costa acreditava que era possível convencer os portugueses que este pacote de medidas ia mitigar de forma significativa a perda de poder compra. A medida de compensação aos pensionistas, e a falta de transparência na forma como foi comunicada, indicia que sim.

A experiência nos países da América Latina, mostra que, com o cesto das compras a encolher, as famílias aprendem rapidamente a fazer as contas da inflação. Por isso, a discussão do Orçamento do Estado para 2023 vai ser mais transparente. Desta vez, as cativações e outras formas engenhosas de distorcer o Orçamento do Estado não serão suficientes para disfarçar o impacto da inflação. Sobretudo, porque em 2023, à inflação junta-se a ameaça de recessão na área do euro, como transparece do comunicado do BCE da semana passada.

Assim, no Orçamento do Estado para 2023, António Costa vai ter de enfrentar, sem subterfúgios, dois grupos que em termos eleitorais lhe são muito caros: os funcionários públicos e os pensionistas. Ambos empobreceram em 2022. Quanto estarão dispostos a empobrecer em 2023?