Os portugueses, segundo dados revelados pelo INE, fizeram em 2022 o maior corte em despesas de alimentação de que há registos, pelo que a alegoria cómica no título será mais representativa da realidade do que seria desejável. Esta prática de dieta por redução alimentar, muito em voga na Venezuela onde tem tido reflexos notáveis no controlo do desperdício alimentar e da obesidade junto da população, resultará já, muito provavelmente, da absorção limite pelo orçamento das famílias dos aumentos descontrolados dos preços dos produtos alimentares nos supermercados. Basicamente, se os rendimentos não aumentam e o orçamento não estica, na hora de passar as compras no caixa, o saco de compras levará menos produtos para acomodar o aumento do preço. É que cortar nas despesas de supermercado é o mais visível na carteira e o mais rapidamente eficaz. Para quem já esteja a pensar que cortar na alimentação seria impensável, reforço que sim, muitos deixam de se alimentar convenientemente para não cortarem nas despesas com TV ou serviços de streaming.

Os últimos dados da inflação até têm vindo a revelar sinais de desaceleração, mas essencialmente pela quebra do preço nos produtos energéticos que já estão praticamente em linha com o período prévio à guerra na Ucrânia. Já o aumento do preço dos alimentos tem sido galopante desde 2022 e atinge actualmente os 20%, sendo que em alguns produtos essenciais como lacticínios, os preços já mais do que duplicaram. Não tenhamos dúvidas, que existirá especulação algures na cadeia de fornecimento e que seguramente nos próximos tempos vamos assistir a muito bate boca entre governo, retalhistas e produtores, até porque em campo já está a ASAE a propor-se fiscalizar toda a cadeia de produção para encontrar um culpado, um álibi para o governo. E se há algo que tem sido apanágio do governo de António Costa, é que quando ocorre um evento gerador de discórdia generalizada ao executivo socialista, logo este procura imiscuir-se de responsabilidades. Quem não se lembra das acusações às gasolineiras por especulação de preços nos combustíveis e que acabou por redundar no corte de impostos ( ISP ) sobre os combustíveis, porque era a tributação que mais pesava e ultrapassava mais de 50% do preço na bomba? Mas claro, a prática socialista é antes de mais, atacar toda a iniciativa privada. Note-se, existirá especulação por parte de um ou outro interveniente da cadeia de produção, mas que não se furte o governo da sua quota de responsabilidade pelos preços dos alimentos. Desde logo, por não abrir mão da excessiva tributação que cobra a todos os intervenientes, porque todos sem excepção, produtores, retalhistas e consumidores, pagam algum tipo de imposto, agora exacerbado ainda mais pela inflação e do qual o governo ainda não abdicou. Em última instância, quem até mais tem lucrado com o aumento dos preços, têm sido os cofres do estado. Tendo como exemplo o caso do IVA, se os preços de incidência base aumentam, o valor total do imposto arrecadado pelo estado, exacto, aumenta em proporção!

Por tudo isto, neste momento para a generalidade dos portugueses ligar a televisão é um sufoco, tal a catadupa de notícias a sinalizar novos aumentos nos preços dos produtos, serviços ou nas taxas de juro dos financiamentos à habitação. Depois de anos de taxas de juro negativas e à boleia de uma política expansionista do Banco Central Europeu, eis que volta a pairar a incerteza sobre o próximo mês para os milhões de portugueses com empréstimos habitação. E aqui, é preciso que muitas famílias também façam mea culpa e retrocedam ao momento em que folhearam o extracto bancário e se regozijaram pelo banco estar a liquidar capital dos seus próprios empréstimos, porque a taxa de juro com o spread aplicado era negativa. Alguns, compreendo eu, que serão demasiados, são tão distraídos com as suas finanças que nem chegaram a tempo de sorrirem ao abrirem o extracto, simplesmente nem  sequer constaram essa benesse temporária. Era a hora certa para negociar uma Taxa Fixa e alguns bancos até tentaram negociar com os clientes a revisão, mas com pouco sucesso.

Não obstante, o exemplo mais puro de fé foi o das famílias que adquiriram habitação com recurso a financiamento com Taxa Variável após 2015, já com os indexantes da Euribor em terreno negativo. À luz do pesadelo que as famílias vivem hoje após cada nova reunião do BCE, exceptuando-se os casos de transacções rápidas de imóveis, a Taxa Fixa teria sido um excelente negócio. Não necessita o governo de impor a obrigatoriedade dos bancos de apresentarem Taxa Fixa aos seus clientes, porque na generalidade dos casos estas continuarão a serem negligenciadas pelos contraentes, desde logo porque apresentam uma prestação final superior à Taxa Variável e por isso um esforço adicional que estes rejeitam. Mas confessem lá, quando a Euribor estava negativa também era fácil demais e assim, não admira que Portugal seja dos países da zona euro onde a taxa variável tenha uma maior representatividade nos créditos habitação, com cerca de 82.5%.  O lado positivo? Se a crise inflacionista tiver repercussões na actividade económica e principalmente nos dados do emprego, o problema da falta de oferta de habitação ficará resolvido muito rapidamente…

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