No fim dos anos 1860 ainda se discutia se os “fermentos” eram responsáveis pelas febres infecciosas e se a disenteria, o tifo ou a cólera eram entidades distintas ou resultado de “matérias” em estado de “fermentação pútrida”. Trinta anos depois, a bacteriologia possuía todas as bases conceptuais e técnicas que ainda hoje a caracterizam. Esse salto deveu-se inteiramente a dois homens: Louis Pasteur e Robert Koch.

A contribuição dos dois homens para a bacteriologia é impressionante. A Pasteur devemos o uso do bico de Bunsen, as estufas de temperatura regulada, o autoclave (esterilização por vapor). A Koch devemos a fixação dos esfregaços pelo calor ou pelo álcool e a sua coloração com derivados da anilina para observação microscópica, o uso de objectivas de imersão e, sobretudo, os meios sólidos para cultura das bactérias (por adição aos meios líquidos de agar-agar, uma alga utilizada na culinária oriental para a confecção de geleias e que lhe foi sugerida pela mulher de um colaborador). Pasteur desenvolverá as primeiras vacinas, das quais a mais famosa será a vacina anti-rábica. Koch identifica o bacilo da tuberculose e demonstra a sua presença nas lesões tuberculosas.

Hoje, a complementaridade dos seus trabalhos é uma evidência. Mas estes dois homens brilhantes e perfeccionistas vão ignorar-se e afrontar-se durante vinte anos. Das disputas em congressos aos ataques recíprocos em revistas médicas, a animosidade entre ambos ficará famosa. E quando Pasteur lança a vacina anti-rábica, em 1885, com o aplauso do mundo, a Alemanha de Robert Koch será o único país a mostrar-se hostil.

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O trabalho de Pasteur foi o primeiro a tornar-se conhecido

Essa rivalidade não pode, contudo, deixar de ser vista à luz do contexto geopolítico da época. Desde que, em Austerlitz (1805) e Iena (1806), Napoleão esmagara as tropas germânicas, um novo nacionalismo alemão emergira. Ao longo do século XIX, a Prússia afirma-se cada vez mais como uma potência com que é preciso contar nos equilíbrios europeus. Em 1870, com o objectivo de juntar numa mesma confederação todos os estados alemães perante um inimigo comum, Bismarck provoca deliberadamente a guerra. Napoleão III, empurrado pela imprensa e pelo parlamento e com os seus generais a dizerem-lhe que a França esmagaria os alemães, avançou para a guerra em julho. Os alemães mobilizaram mais homens e possuíam melhor armamento. Em setembro, em Sedan, capturaram o imperador francês. Paris caiu em janeiro de 1871. O descrédito das elites francesas e a humilhação nacional conduziram directamente à Comuna.

Louis Pasteur tinha, à época, 50 anos e uma reputação firmada. Demonstrara que a fermentação era obra de seres vivos microscópicos, as leveduras ou “fermentos vivos”; resolvera o problema da doença do bicho da seda que estava a destruir a indústria francesa da seda; enfim, com uma série de experiências brilhantemente concebidas e executadas, refutara definitivamente as teorias da geração espontânea. Em 1876 aplica as suas capacidades ao estudo do carbúnculo, responsável por grandes prejuízos para os criadores de ovelhas, e demonstra a ligação entre o bacilo encontrado no sangue dos animais infectados (já descrito anteriormente) e a doença.

No mesmo ano, um obscuro médico militar alemão de 32 anos, que participara na guerra contra a França, publica uma monografia sobre o mesmo bacilo. O médico chama-se Robert Koch. Trabalhando numa parte do seu gabinete médico transformada em laboratório improvisado, em pouco mais de um mês descobrira um meio de cultura adequado para o bacilo do carbúnculo e determinara as suas características e o seu ciclo de vida, que incluía a formação de esporos termo-resistentes, capazes de sobreviverem no solo e infectar os herbívoros. Será ele a dar-lhe o nome: Bacillus anthracis.

Pasteur não deve ter gostado mesmo nada.

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Koch no Egipto, numa expedição para estudar uma epidemia de cólera

Em 1893, durante a pandemia de cólera, é Koch quem vence ao conseguir isolar a bactéria responsável, primeiro no intestino dos doentes e, depois, na água das cisternas utilizadas pelas famílias afectadas. Mas em 1896, no seu Instituto de Doenças Infecciosas de Berlim, inicia um serviço de vacinação anti-rábica conforme ao método de Pasteur.

Enfim, nos anos 1900, quando se torna evidente que a tuberculose bovina é transmissível aos seres humanos através do leite e derivados, as medidas aprovadas num congresso internacional incluirão o rastreio das vacas com tuberculina (descoberta por Koch) e o tratamento do leite pelo método inventado por Pasteur (a “pasteurização”).

Médico patologista