Existem milhares de artigos, livros, estudos e notícias sobre os direitos das crianças e, principalmente, da forma como estes direitos são constantemente violados. É sempre importante relembrar este assunto tão sensível, mesmo que caia em poços sem fundo, em ouvidos tapados ou em mentes indiferentes.

O presente artigo não tem como objetivo emocionar os leitores nem os culpabilizar, mas apenas mostrar-lhes alguns dados legítimos (com a UNICEF como fonte principal), tentando sensibilizá-los e levá-los a, pelo menos, não esquecer tudo aquilo que viram e leram sobre as violações constantes dos direitos das crianças nos jornais e na TV quando estas notícias deixam de ser mediáticas.

Acredito, fielmente, que dentro dos direitos humanos, os direitos das crianças são aqueles que mais destaque e atenção nos merecem, visto que as crianças são os humanos verdadeiramente inocentes, sem voz e mais sensíveis aos desastres e monstruosidades criados pelos adultos. É nosso dever protegê-las, cuidá-las, garantir que a sua única preocupação seja o resultado da brincadeira anterior e mostrar-lhes um mundo cor-de-rosa. Não obstante, para a maioria das crianças e jovens o mundo é um lugar tenebroso, cheio de destruição, morte e miséria. Se as crianças são o futuro, então garanto que não estamos a criar um futuro muito promissor.

Começamos pelo grande acontecimento internacional mais recente, o Afeganistão. Numa altura em que até se veem notícias e opiniões em que almas sensíveis e caridosas entram em pânico pela preocupação com as startups afegãs, parece que nos esquecemos das crianças, as vítimas silenciosas. Segundo dados da UNICEF, cerca de um milhão de crianças afegãs encontram-se em risco de desnutrição grave após a vitória dos talibãs. A grande maioria das crianças foram movidas – com o poder persuasor de uma metralhadora – das suas casas, separadas das famílias, abandonadas, privadas de cuidados de saúde básicos e fadadas a morrer à fome ou de uma qualquer doença que seria evitada com uma simples vacina (como a vacina contra o tétano). Para não falar que no caso das meninas, estas foram reduzidas a objetos sem vida e que é expectável que os casamentos infantis voltem a crescer na região. Parece-me uma tarefa hercúlea conseguir manter a inocência num cenário que parece saído da imaginação de Dante Alighieri.

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Retrocedendo alguns meses, vale a pena relembrar a forma como o conflito entre Israel e o Hamas afetou de forma nefasta as crianças e jovens dessa região. Só em maio, contaram-se cerca de 70 mortes de crianças palestinianas como resultado de ataques israelitas. Não esquecendo, também, as detenções continuadas de crianças e jovens palestinianos pelas forças de segurança israelitas. Crianças que são aliciadas por organizações terroristas, como o ISIS, que em 2016 já tinha centenas de crianças palestinianas entre os 10 e 15 anos nas suas fileiras. Aqui fica claro que apesar de os mais inocentes não entenderem nada de política nem de conflitos ou de guerra são sempre eles a sofrer as consequências.

Viajando sem sair do mesmo sítio a outras regiões do mundo, posso referir o ressurgimento da peste bubónica na República Democrática do Congo, que afeta principalmente crianças e já infetou 500 pessoas, aumentando ainda mais a miséria e pobreza infantil na região; mais de 100 mil crianças estão em risco de morrer de fome em Tigré (Norte da Etiópia), provocada – mais uma vez – pelo conflito armado a decorrer na zona; um terço das crianças do mundo – principalmente no Sul da Ásia – estão a ser intoxicadas com chumbo, o que afeta gravemente o seu desenvolvimento cerebral; 99% das crianças (essencialmente as que vivem em países em vias de desenvolvimento) são diretamente e gravemente massacradas pelas alterações climáticas; cerca de 160 milhões de crianças e jovens encontram-se sob o jugo do trabalho infantil e podemos continuar a enumerar várias violações atuais dos direitos das crianças, ao ponto de podermos escrever um livro de mil páginas. E a Covid-19 só veio, obviamente, agravar tudo isto ainda mais.

Na União Europeia, a situação é melhor, mas não assim tão melhor. Segundo dados da própria UE, um quarto das crianças que aqui vive encontra-se em risco de pobreza e exclusão social – isto antes da pandemia e apesar de todos os esforços das instituições europeias. Em Portugal, a UNICEF avisava, em 2020, que cerca de 22% das crianças portuguesas se encontravam em situação de pobreza infantil e, consequentemente, com um parco acesso a educação, saúde e alimentação de qualidade.

Como jovem, este tema choca-me, porém, como cigano, basta-me ir a um qualquer bairro dos mais “perigosos” do país para ver um dos meus pares de 10 anos de idade com o olhar de alguém que viu e viveu mais do que qualquer outra pessoa de 30 anos de classe média viu ou viveu em toda a sua vida. Facto que me entristece e merece profunda reflexão, principalmente porque se continua a exigir igualdade de resultados quando a igualdade de oportunidades continua a ser um sonho.

Peço que foquem, por um momento, a vossa atenção no que dizem os prémios Nobel da economia Abhijit V. Banerjee e Esther Duflo, no seu livro A Economia dos Pobres, sobre as visíveis diferenças de oportunidades entre as crianças e jovens de vários pontos geográficos e origens socioeconómicas: “A pobreza não é apenas a falta de dinheiro, é não ter a capacidade para realizar o potencial de cada um como ser humano. Uma menina pobre de África irá à escola apenas alguns anos, mesmo que seja brilhante, e provavelmente não terá a nutrição necessária para ser a atleta de classe mundial que poderia ser, nem o financiamento para iniciar um negócio se tiver uma grande ideia”, não esquecendo que, ao redor do mundo, esta pobreza é consequência de conflitos armados, epidemias frequentes e interesses alheios.

Todos estes factos obrigam-me a fazer a seguinte pergunta: quantos e quantas “Einsteins”, “Curies”, “Mozarts”, “Eças” e “Picassos”, quantos génios foram ignorados e esquecidos apenas por terem nascido no lugar e época errados? Creio que estas crianças não pedem utopias nem fantasias, pedem apenas uma oportunidade para desenvolver o seu potencial como seres humanos.