A estrutura de investimento comumente adotada no setor imobiliário está de tal forma padronizada que mais parece uma receita de culinária do que o resultado de uma análise ponderada dos impactos daí advenientes (em especial, os fiscais).

Se para um investimento com capitais de origem portuguesa podemos estar a discutir entre opções mais ou menos eficientes, o mesmo não se poderá dizer quando parte significativa ou a totalidade deste vem do estrangeiro.

A Autoridade Tributária tem hoje à sua disposição mais argumentos (suportados em alterações legislativas e jurisprudência europeia) para questionar a substância económica das estruturas de investimento, bem como outras realidades/operações, cujo principal benefício/propósito é de natureza fiscal.

Os sinais de alerta já são tantos, que podemos servir um “pijaminha” aos mais indecisos: desde os refinados “Danish cases” à versão “aportuguesada” da DAC 6, passando por outras materializações do plano de ação BEPS.

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De facto, as estruturas/operações transfronteiriças nunca estiveram tão expostas a controlos e regras fiscais, pelo que se exige ao investidor uma atenção redobrada, na medida em que o sistema fiscal português (à semelhança do que também está a acontecer em outros países) vai dando menos margem a comportamentos de “oportunismo” fiscal (que, em bom rigor, não eram aceites, mas bastante “negligenciados”).

Neste contexto, a tolerância do sistema fiscal à interposição, numa estrutura de investimento, de sociedades cuja única razão de existir começa e acaba no aproveitamento de mecanismos de natureza fiscal, terá chegado ao fim, muito embora a visibilidade desta rejeição fique adiada até a Autoridade Tributária começar a reagir.

Assim, se é verdade que, num primeiro momento, a estrutura de investimento tradicional ainda enche o prato (nem que seja com molho), não é menos verdade que, com a sua implementação, começará uma contagem decrescente até aparecerem os primeiros “pecados mortais” que se escondem no pagamento de juros ou dividendos, nas mais-valias, já para não falar nas obrigações de comunicação à Autoridade Tributária.

Por outras palavras, a mera interposição de uma sociedade “decorativa” numa estrutura de investimento é tão eficaz como despejar natas num bife duro e pouco suculento: o problema não está propriamente nas natas (não temos nada contra os clássicos), mas na falta de substância do bife.

Perante este cenário, poder-se-á continuar a cozinhar com a estrutura de sempre (até que a primeira inspeção apareça e imponha uma forte “dieta”) ou, alternativamente, optar por repensar e proteger o investimento, fazendo escolhas acertadas, ainda que, à primeira vista, pareça que se está a pagar mais por um prato menos cheio. No entanto, remata-se com uma frase feita e com toda a sua sabedoria intrínseca: nem tudo o que parece é!

Ora, como é sabido, o não pagamento ao Estado do imposto devido é, desde logo, brindado com juros e coimas pesadas, sendo que, neste caso, o imposto em falta não é negligenciável: é frequentemente a diferença entre não ter pago nada (por errada aplicação de uma isenção) e taxas que, consoante os casos, podem chegar aos 35%.

Note-se, a este propósito, que mesmo no que diz respeito aos investimentos já em curso, devem ser tomadas medidas de melhoria e correção, por forma a que estes acompanhem o estado da arte. Tal como na culinária, não se fica à espera até que cheire a queimado…

Importa recordar, por último, que os pecados antes referidos não são apenas caros perante a Autoridade Tributária, uma vez que, dependendo da forma de desinvestimento, também futuros investidores poderão exigir garantias ou compensação (a dolorosa redução do “preço”), para que a sua digestão seja mais fácil.