– Vocês pertencem aos apavorados ou aos que não querem saber?
A pergunta apanhou-me de surpresa. Não nos víamos há vários meses e, agora re-encontrados, na altura de nos cumprimentarmos, surgia a dúvida. Como dizemos olá?
Pertencemos aos apavorados ou aos que não querem saber? No fundo, é disso que se trata.
Há uma barricada, com um e outro lado. Uma dicotomia sem meio termo. Irreconciliáveis, sem possibilidade de acordo.
Já percebi que não há dados, números ou racionalidade que adiantem alguma coisa ou permitam consensos. Por muito que se apresentem gráficos, números, matemáticas, como aqui e aqui, há sempre outras matemáticas, gráficos e números a sustentarem a visão exactamente oposta.
Cada lado da barricada vê o que quer ver e não está interessado em ver o ponto de vista do lado oposto.
E tudo ficou ainda mais irremediavelmente estragado a partir do momento em que Trump e Bolsonaro entraram na dança. Porque aí entrou a Ideologia. E a Ideologia não quer saber de dados, de factos nem de racionalidade. Se Trump e Bolsonaro dizem uma coisa, o seu oposto tem forçosamente que ser verdade. Porque não é concebível, nunca, que Trump e Bolsonaro possam, nalgum assunto que seja, estar do lado certo da barricada.
A Ideologia é como a Religião. Uma questão de Fé. Tentar esgrimir argumentos entre os dois lados da barricada da Covid-19 é como procurar um acordo na discordância fundamental entre crentes e descrentes, católicos e protestantes, xiitas e sunitas, judeus e anti-semitas, extrema-esquerda e extrema-direita. Não só é impossível como é um desperdício de energia. A mútua evangelização é inalcançável.
O melhor é cada um aceitar que isto é uma questão de Fé, respeitar o credo de cada lado da barricada, ficando cada um na sua e tentando não se incomodarem uns aos outros. Concordemos em discordar.
Pertencemos aos apavorados ou aos que não querem saber?
Na nossa reunião familiar, cada um se cumprimentou de acordo com a sua crença, uns com abraços e beijinhos, outros com toques de cotovelos, mantendo a distância.
