A cada hora que passa mais se me arreiga esta certeza: Cavaco resolveu vingar-se das desfeitas, das críticas, e dos ódios e inventou o candidato presidencial Sampaio da Nóvoa. Claro que não podia ser um candidato qualquer. E Sampaio da Nóvoa não é um candidato qualquer. É um pleonasmo ambulante.

Conhecedor como ninguém das idiossincrasias da esquerda, que não resiste a uma prosa poética robusta, Cavaco convidou o reitor a discursar no 10 de Junho de 2012. Sampaio da Nóvoa não se fez rogado e foi tiro e queda: avançou pelo palanque e naquela prosa misto de Ary dos Santos e jogos florais com ressonâncias de Manuel Alegre, garantiu que “Chegou o tempo de dar um rumo novo à nossa história”, citou a torto e a direito, nomeadamente José Gomes Ferreira “penso nos outros logo existo” e atirou-se à austeridade.

Os jornalistas mal começaram a ouvir expressões como “demasiados portugais dentro de Portugal”, mais o pedido de um “armistício connosco” acharam que ali havia homem. No fim do discurso os membros do Governo batiam palmas de circunstância e os representantes das corporações e das oposições quase levitavam de satisfação. Cavaco esse rejubilava certamente mas diante das televisões mantinha a cara de esfinge de quem anda nisto há muitos anos mas sabia que o isco estava lançado. E logo foi mordido. Entrevistas em que Sampaio da Nóvoa era apresentado como candidato à beatificação e convites a Sampaio da Nóvoa para discursar multiplicavam-se. E Sampaio da Nóvoa não desiludia, cada vez mais compunha aquela prosa qual levantados do chão mas agora do chão das palavras. São discursos cheios do tempo urgente, do tempo de invenção, da liberdade livre, da liberdade que não é vazia,… enfim parece aquele momento das sessões de canto livre doutros tempos mas agora com a gravitas universitária.

Quererem convencer-me que resulta do acaso estar Sampaio da Nóvoa a ser dado como possível candidato presidencial do PS é quase impossível. Um absurdo destes não acontece naturalmente. Não pode. Vai daí ter-me virado para Cavaco mas aceito quaisquer outras sugestões pois para este extraordinário facto uma explicação só não basta. Tem de algures existir uma força oculta que disponha tal coisa. Contudo tenho de fazer uma declaração de interesses: nenhum outro candidato me inspira como Sampaio da Nóvoa. Aqueles parágrafos de mote e volta, aquele falar de Abril, aquele tempo que não é tempo despertam em mim uma súbita vontade de escrever.

Já me estou a ver de ghostwriter presidencial. Hora de pagar aos credores? Manda-se discurso invocando a pátria que é mátria, terra nossa, sem preço nem custo, palavras que reduzem à mera substância o espaço de saber, tesouro que amealhámos e que nos fará vencer… E pronto fica o problema resolvido: em primeiro lugar porque os credores não percebem o conteúdo e em segundo porque não se sentem capazes de se submeter a nova tortura de tal ditirâmbica prosa. Sanções à Rússia? Segue telegrama capaz de entreter Putin por vários meses: País à beira de um rio triste stop mensageiro da mudança Stop mudança que muda e nos muda stop de quem sente e não consente Stop

Em Portugal paira no ar desde a candidatura de Manuel Alegre em 2006 a disponibilidade de um milhão de pessoas para votar numa espécie de retórica de peito feito e verbo empolado. Logo não me admira que Sampaio da Nóvoa se veja candidato ou que Helena Roseta manifeste a sua disponibilidade para se candidatar. O que não entendo é o que espera o PS ao deixar-se colar à candidatura de Sampaio da Nóvoa (Costa tão lesto a declarar-se indiferente à candidatura de Henrique Neto agora mantém-se invisível e calado?)

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