Efetuei a candidatura para o próximo ano letivo dos meus filhos, que são gémeos e têm 4 anos, através do tristemente célebre “Portal das Matrículas” e gostaria de dar conta da minha experiência, certo de que infelizmente não fui caso único mas convicto da importância de divulgar e denunciar a realidade kafkiana associada.

A primeira surpresa foi termos descoberto que os gémeos não entraram na escola que tínhamos escolhido como 1ª prioridade através de uma lista que amigos nos alertaram ter sido afixada na própria Escola – em dissonância com o canal oficial de todo o processo ser o famoso e completamente disfuncional “Portal”.

A 2ª prioridade era uma escola ao lado do meu endereço profissional. Passei no agrupamento destas escolas e verifiquei que as listagens estavam também fisicamente afixadas, mas que os nossos filhos, apesar de não terem entrado na Escola que selecionamos como 1ª prioridade, nem sequer são referidos nas listagens. Uma ausência bizarra já que num processo minimamente justo e organizado seria de esperar que, não tendo entrado na primeira opção, fossem automaticamente considerados para as opções seguintes escolhidas.

Fomos então, ainda sem qualquer indicação no “Portal” (mantinha-se o kafkiano “A aguardar colocação”), contactados pelo agrupamento da escola que tínhamos colocado em 5º lugar! Mesmo na nossa quinta escolha, já não havia vaga, mas disponibilizaram-se simpaticamente a tentar ver se arranjavam uma escola alternativa dentro desse agrupamento (o qual, reforço, era a nossa quinta opção).

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O “Portal”, entretanto, deu o primeiro sinal de vida, evoluindo para uma primeira mensagem oficial: “aguardam colocação administrativa”.

Fizemos então ao agrupamento da nossa 2ª prioridade uma pergunta muito simples, mas muito objetiva por e-mail: na altura em que elaboraram as listagens os nossos educandos foram devidamente considerados para as mesmas, ou o portal que deveria fazer essa gestão levou a que o processo ficasse perdido, condicionando e prejudicando todo o processo subsequente de atribuição de vagas? Dois dias depois, e não tendo obtido resposta, liguei para o agrupamento e percebi que não. Segundo o agrupamento, a escola da 1ª prioridade, “não libertou o processo atempadamente para que pudessem ter sido considerados”. Se o processo decorreu na prática nestes moldes, importa perguntar: para que serviu então o famoso “Portal”? Numa rápida investigação conseguimos perceber que serviu para pelo menos um investimento de cerca de 350 mil euros, por ajuste direto. Este investimento foi pago com dinheiro para o qual sou forçado a contribuir através dos meus impostos, num processo que à semelhança de muitos outros em que o Estado intervém com recursos públicos (bancos, companhias de aviação, etc) me gera responsabilidades financeiras, sem que tenha qualquer capacidade deliberativa, as quais me são imputadas mesmo que não usufrua delas.

Pior: o processo é totalmente opaco. As listagens de colocações limitam-se a numerar os alunos de 1 a n, com os seus nomes à frente. Os critérios que motivam que uma criança seja seriada à frente de outra seguramente existirão, mas com menos opacidade seria possível perceber e escrutinar se são justos e se foram corretamente aplicados por quem decidiu. Não sendo impossível, custa-nos a acreditar que, sendo a minha morada profissional quase paredes contíguas com a escola da 2ª prioridade, e tendo os nossos educandos 4 anos e 4 meses existam tantas outras crianças que tenham prioridade nestas vagas.

Entretanto, o “Portal” emitiu novo feedback, um pouco auspicioso: “sem colocação”. O agrupamento garante-me que está a fazer tudo o possível para ainda me garantir uma vaga, mas, quando refiro as questões processuais, remete-se a “essa parte tem de discutir com as entidades competentes, não podemos responder pelo Portal e pelos critérios de gestão da candidatura”. Quando por sua vez contacto por e-mail o “Portal”, ou faço uma exposição à DGE, tenho como resposta um ensurdecedor silêncio.

Este processo – e milhares de outros que afetaram inúmeras crianças e respetivas famílias nas últimas semanas – não me parece digno de um país minimamente civilizado, mas mais de uma ficção kafkiana.

Infelizmente, trata-se de uma realidade kafkiana a que não é possível escapar. Condenados a pagar impostos para serviços inoperantes, burocracias incapazes de responder e “Portais” disfuncionais, resta aos portugueses resignarem-se à ideia de que, na educação como em muitos outros sectores, não podem ter liberdade de escolha. Se essa liberdade existisse, perante a inoperância e falta de transparência e de resposta com que são confrontados, optariam naturalmente por canalizar os seus recursos para outra instituição. Assim, resta-lhes (à minoria que pode) pagar duplamente para recorrer à iniciativa privada para fornecer os serviços pelos quais já pagaram por via dos seus impostos ao Estado.