Uma democracia pressupõe responsabilidade política. Implica que se aprendam com os erros que se corrigem através do voto. Infelizmente, Portugal é caso único de uma democracia em que quem governa não paga o preço político das suas más opções. Isso sucede porque o governo e o presidente da República desvalorizam o erro e compensam quem escolheu o curto em detrimento do longo prazo.

Vejamos o seguinte exemplo: desde 2016, ano em que taxa de juro do BCE passou para 0%, que a maioria preferiu pagar os juros dos seus empréstimos a uma taxa variável. Escolher uma taxa fixa a 5 ou 10 anos era mais seguro, mas também ficava mais caro. Desde 2016 quem optou por uma taxa variável pagava menos do que quem escolheu a taxa fixa; preferiu o benefício imediato em detrimento da segurança e de um ganho posterior.

Entretanto a inflação voltou e com ela as taxas de juro subiram. Foi neste momento que o poder político quis intervir. A razão? A necessidade de proteger as pessoas que não tiveram em conta a segurança. Como? Ao permitir a quem beneficiou de taxas variáveis que possa renegociar os seus empréstimos sem pagar comissões bancárias e Imposto de Selo. Há semanas, Luís Marques Mendes dizia na SIC que a iliteracia financeira tinha de ser combatida para que se evitassem casos como este. No entanto, essa iliteracia dificilmente será erradicada se as consequências negativas forem assumidas pela comunidade no seu todo em vez de pelos próprios. Uma sociedade aberta e democrática pressupõe que os cidadãos participem não apenas no dia em que votam; pede que sejam responsáveis pelas suas decisões, nomeadamente na área financeira, sem detrimento do apoio natural em casos extremos. A desresponsabilização dos cidadãos é uma ameaça ao Estado de direito que o poder político não devia alimentar. Mas fá-lo porque se comporta da mesma forma.

Tanto o governo PS como Marcelo Rebelo de Sousa tiram proveito dessa iliteracia financeira. Assim, o exemplo que dei pode parecer de pormenor, mas é um erro que assume proporções governativas. Não foi apenas a maioria dos que contraíram empréstimos bancários que pensaram no seu interesse imediato e esqueceram o futuro na expectativa de que Estado as ajudasse quando as dificuldades chegassem; o governo e o presidente da República fizeram o mesmo e deram o mote.

Voltemos novamente a 2016 quando o perigo da bancarrota do Estado foi afastado com a implementação, pelo PSD e CDS, de um programa de resgate negociado entre o PS e a tão temida troika. Nessa época, a taxa de juro do BCE era 0%. O dinheiro era barato e a descrispação o grande objectivo do governo PS e do presidente da República. Porquê? Porque naquele momento o dinheiro corria a rodos e não era preciso pensar no futuro. O importante era relaxar, desfrutar do presente, basicamente que o povo deixasse de prestar atenção ao que o governo fazia, deixasse de ser exigente, deixasse de questionar os gastos públicos. Se tranquilizasse enquanto o poder político fazia o que tinha de fazer da maneira que sempre fizera. Reduziu-se o défice? Sim, mas não através da descida da despesa decorrente de uma reforma do Estado. O défice foi reduzido com cativações na saúde e na educação e porque os juros eram baixos. A partir do momento em que subiram a despesa aumentou com eles.

Mas mesmo assim o poder político teima em não aprender com o erro. Em vez disso mudou a narrativa. Veja-se como já não se fala de ‘descrispação’, mas de ‘tempos difíceis’. Enquanto a ‘descrispação’ desculpava a leviandade com que se comprou popularidade, a narrativa dos ‘tempos difíceis que aí vêm’ é usada na esperança que lhes seja perdoada a incompetência. Os erros do passado e os alertas que Marcelo e Costa ignoraram porque não lhes interessavam são para esquecer. Para o presidente da República e para o primeiro-ministro não há lição a ser aprendida porque não fariam diferente do que fizeram.

A desvalorização do conhecimento económico, das mais elementares regras de finanças públicas, a falta de planeamento a longo prazo; a ideia que podemos pensar no nosso interesse imediato porque se houver problemas o Estado, o ‘colectivo’, ajuda. O prejudicar quem foi cauteloso enquanto se protege os que não se preocuparam com o seu futuro próximo são erros que se cometeram e que se repetirão porque não se paga o preço das más opções. Desde 2016 que o país é governado e presidido com os pés e os problemas são empurrados com a barriga. E não vai ser a inflação nem a dívida pública (que em 2016 era de 241 mil milhões de euros e em Setembro de 2022 é de 279 mil milhões de euros) nem será a subida dos juros dessa mesma dívida, menos ainda o facto de mais de 2 milhões e quinhentos mil portugueses que nasceram em Portugal viverem actualmente no estrangeiro que vai fazer com que Marcelo e Costa mudem de atitude. Nada os fará mudar porque os erros que cometeram não os afectam.

O título desta crónica é kaputt, palavra alemã que significa partido, quebrado e que se refere a algo que não funciona mais. O normal seria que o título visasse Marcelo e Costa. Mas não, o kaputt é para Portugal que perde quando perdem os sensatos. Somos o caso único de uma democracia em que quem governa e preside não paga o preço político das suas más decisões.

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