É a primeira vez que o mundo acompanha em directo o surgimento e propagação de um vírus. A contabilização dos infectados, dos que morrem e dos que recuperam, a par com a sua localização geográfica permite-nos fazer e ler gráficos de todas as cores e feitios. Permite-nos até saber onde estiveram e o que fizeram cada uma das pessoas infectadas. O coronavírus deve ser o vírus mais controlado da história da humanidade. E quem gosta de controlar sofre de um mal: ansiedade. A tecnologia tem como consequência o sabermos tudo, logo temermos tudo.

A par desta ansiedade há um certo relaxamento das instituições de saúde pública portuguesas que me chamou a atenção. Os conselhos da Direcção-Geral da Saúde são para lavarmos as mãos várias vezes ao dia. Não tem sido dada ênfase a que se fique em casa, ao contrário do que sucede noutros países, como em Espanha e no Reino Unido. Neste último não só se concretiza o que significa o isolamento em casa, como ainda foi accionado o nível máximo de planeamento para uma emergência de saúde pública. Em Portugal, pelo contrário, deixa-se que o assunto siga o seu caminho. Como qualquer gripe não haverá muito mais a fazer que não seja termos cuidado e, em caso de contaminação, esperarmos que o nosso organismo adquira os anticorpos necessários. Esta parece ser a decisão subliminar, mas não assumida, da DGS.

Este é o segundo ponto a que quero chegar: em Portugal não se assume nada. Temos receio de dizer que sim ou que não. Não gostamos de nos comprometer. É um comportamento que me irrita profundamente porque neste aspecto sou muito pouco português. No Verão passado a BBC publicou uma reportagem sobre os franceses onde estes raramente responderem que sim. A qualquer pergunta que se faça um francês responde de imediato que não. O não permite-lhe voltar atrás, o que um sim, que implica uma acção positiva, não deixa. Neste aspecto, o português é ainda mais cuidadoso: não diz nem que sim nem que não. Fica-se algures pelo meio, umas palavras inaudíveis, um olhar para o lado, uma mudança de assunto. Ao não se comprometer o português lava as mãos do que daí possa vir.

Esta característica é visível na reacção das autoridades portuguesas ao coronavírus. Existe um vírus que se propaga muito facilmente; a comunidade internacional anda preocupada, logo os nossos governantes também; os outros países estão a fazer o possível para impedir a propagação do vírus, de forma que se forem bem-sucedidos óptimo, mas se não o conseguirem a culpa também não é nossa. No fundo, não há muito mais a fazer que não seja lavarmos as mãos. O que não se faz é assumir isto mesmo: que o coronavírus é contagioso, que não será muito mais grave que uma gripe normal e, além de cuidarmos dos mais velhos e dos mais fracos, temos de viver com ele.

Ao não se fazer nada, nem se assumir que nada se faz a escapatória é total. Veja-se o caso do governo que até já tem um motivo para explicar o falhanço do orçamento de Estado. É verdade, com o coronavírus será muito difícil o governo conseguir o excedente orçamental que Centeno nos prometeu. Mas não há problema já que saberemos porque foi. Assim, Centeno e Costa (e Marcelo) poderão fazer o que sempre fizeram, seja continuar ou seja sair. Não se comprometeram com nada, e como portugueses que são, têm a lição bem estudada e lavam as mãos das consequências de pouco terem feito nos últimos 5 anos. A isto nos países mais ricos chama-se irresponsabilidade. Em Portugal tem outro nome que poucos se atrevem a pronunciar.

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