Com a crise do Euro, com a crise dos refugiados e com a ameaça do terrorismo, 2015 foi um ano bom para os inimigos do projecto europeu, que anseiam por uma Europa menos aberta, menos liberal e menos interligada. Vão conseguir? É sob esta questão fundamental que deve ser lida a vitória eleitoral do Front National (FN), na primeira volta das regionais francesas. Quando faltam 16 meses para as presidenciais, os resultados mostram o fracasso de Hollande, confirmam a ascensão de Marine Le Pen e certificam a transformação do sistema partidário francês, com o FN instalado entre Os Republicanos (ex-UMP) e o PS. O interessante é que, da perspectiva europeia, tudo isto traduz um apoio popular cada vez mais consolidado a quem ergue como bandeira política o combate à integração europeia. Ou seja, mais do que Hollande, o grande derrotado da última noite eleitoral francesa foi o projecto europeu e não é por acaso que a Europa acorda hoje sobressaltada.

A ironia do sobressalto em Portugal é que tudo isto só inquieta quando acontece em França, esquecendo-se os bons motivos para a apreensão dentro de portas. É que, no fundamental da política económica e europeia, não se registam diferenças de relevo entre o FN de Marine Le Pen e o PCP de Jerónimo, cujo comité central tem agora poder de veto sobre o rumo político do governo. Aumentar os salários e as pensões, diminuir a idade da reforma, sair do Euro, proteger os pequenos comerciantes contra os grandes grupos económicos, quebrar o monopólio dos bancos, libertar a economia da influência dos mercados financeiros, renegociar os tratados europeus e internacionais. Estes são alguns dos principais compromissos de Marine Le Pen, elencados no seu manifesto político. E se nos soam familiares é porque são, também, o coração das propostas económicas do PCP, que despreza a economia de mercado e as instituições europeias, e que é hoje o suporte parlamentar de António Costa. Assim sendo, não devíamos ficar igualmente preocupados?

Dizem-nos que não. Porque Mário Centeno não é um Varoufakis em potência – o que é verdade. E porque o governo é do PS, sem que PCP e BE interfiram nas opções de política europeia – o que custa a acreditar. Ora, custa a acreditar uma vez que o primeiro sinal deste governo PS, em termos de política europeia, foi o enterrar do seu discurso eleitoral. Recorde-se que, quando se candidatou à liderança do PS, a política europeia foi designada a grande prioridade de António Costa – estava aí a chave para uma alternativa à austeridade. Mas, há dias, esteve arredada do debate do Programa de Governo – afinal, já não é prioritária? No mesmo sentido, um dos compromissos assumidos pelo PS foi o de elevar o estatuto do titular da pasta dos assuntos europeus (acima do de secretário de estado). Surpreendentemente, não aconteceu – afinal, já não faz diferença? À falta de melhor explicação, deduz-se que Costa quis evitar o desconforto de PCP/BE, por via da necessidade de aprovação parlamentar do seu governo.

Dirão os cínicos que fez bem e que uma certa ambiguidade quanto à política europeia é o preço a pagar para garantir esse apoio. Só que é impossível não assinalar os riscos dessa estratégia num contexto em que, em 2016, a UE terá de enfrentar as suas fraquezas (refugiados, euro, terrorismo), um referendo à permanência do Reino Unido e um duro debate sobre a sua sustentabilidade – como alerta o João Marques de Almeida, se “a maioria dos alemães chegar à conclusão que o preço a pagar pela integração europeia é insustentável e inaceitável, a União Europeia está condenada”.

Portanto, a questão é só uma: nestas circunstâncias particularmente exigentes, pode ou não um governo português dependente do apoio do PCP, que anseia pelo colapso do projecto europeu, assumir um compromisso inequívoco para com as políticas e as instituições europeias? Se não se puder responder que sim, sem qualquer hesitação, então haverá razões para nos inquietarmos tanto quanto nos inquietamos com as vitórias eleitorais de Le Pen.

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