Ler é fundamental. Todos o sabemos, mas até que ponto é que exercemos essa ideia?

Segundo as mais recentes conclusões (e o sentimento geral da comunidade leitora), não fazemos parte de um país que, na sua grande maioria, tenha a leitura como atividade enriquecedora de preferência. Mais do que isso, que tenha a leitura na lista de opções de atividades enriquecedoras. No entanto, apesar disso, o setor continua a trazer títulos atrás de títulos, na esperança que a perspetiva mude. Existem livros sobre tudo, existem livros para todos (algo em que muitos não acreditam).

Como podemos, então, ajudar a mudar o panorama da leitura em Portugal? Eu diria que começar pelos livros que mais rapidamente encantam e mais facilmente geram novos leitores seria uma boa ideia. Falo, então, dos livros infantis.

Sou uma de muitas pessoas que podem dizer, cheias de orgulho, que já leram para crianças. Uma de tantas que já puderam testemunhar a verdadeira magia que enche uma sala cheia de ouvintes ansiosos, carregando nada mais do que um livro que traz um mundo inteiramente novo lá dentro na mão. Ler para as crianças é o primeiro passo em direção àquilo que será, com certeza, um futuro criativo, tolerante e empático. Não nascemos a saber fazê-lo sozinhos, pelo que cabe aos adultos levar a cabo a missão, até que o mundo dos livros nos agarre por completo e possamos voar sozinhos. É fácil ter uma ideia dos benefícios que vêm com a leitura, mas façamos uma análise das mais importantes componentes do desenvolvimento de uma criança e do papel das histórias nele.

Comecemos pela inteligência cognitiva: ler enriquece o cérebro. Fazê-lo com regularidade, seja de que forma for (acompanhados, sozinhos, em papel físico, no digital ou em formato de audio), já provou ser um excelente motor para o desenvolvimento cognitivo, de linguagem, de vocabulário e de competências literárias das crianças. É assim que lhes oferecemos uma passagem direta para uma melhor compreensão do mundo à sua volta através do conhecimento, processamento de informação e racionalidade, e isso só fará com que a maneira com que olhem para o que lhes acontece (e aos outros) de uma forma muito mais profunda. Isto para não falar do impacto nos níveis de concentração – estar atento ao desenrolar de uma história desbloqueia o valor da paciência e da capacidade de ouvir os outros.

Fomentar a leitura das crianças é dar-lhes a oportunidade de explorarem um campo do seu imaginário que de outra forma não é sequer aberto. É ajudá-los a criar uma mente imaginativa e criativa. Criatividade essa que pode posteriormente ser utilizada para tudo e algo mais: desde a criação de obras artísticas (mesmo que comecem por ser rabiscos), passando pela solução de problemas e terminando na capacidade de comunicação.

Variedade na leitura também vem garantir uma série de componentes benéficas no desenvolvimento da inteligência emocional de um ser humano (algo que muitas vezes é posto em segundo lugar, quando devia andar de mãos dadas com a inteligência cognitiva), uma delas a compreensão e aceitação das suas próprias emoções e do papel que cada uma delas detém na pessoa que são. Crescer é complexo, e à medida que se vai criando uma noção de mundo, certos sentimentos podem ser avassaladores, e ler uma história em que se reconheçam vai com certeza ajudá-los a combater a solidão que advém do próprio auto-reconhecimento. O oposto, ou seja, a leitura de histórias sobre situações igualmente válidas mas que não reconhecem como semelhantes às suas, ajuda a captar lições de vida diferentes e a desenvolver os níveis de empatia desde bem cedo. E se quisermos, ainda, podemos acrescentar o benefício do tempo de qualidade que advém da leitura. É incomparável. A criação de uma rotina que envolva um livro não só trará a garantia de que um bocadinho do dia será passado ali, em conjunto, como fortalecerá a relação entre todos os envolvidos.

É assim que mudamos o paradigma: com o nosso futuro. Criamos leitores e seres humanos tridimensionais preparados para abraçar o mundo e manter vivo um setor tão fundamental e tão negligenciado. Quem sabe se, no processo, não acabamos também por transformar em leitores, graúdos que acabaram por se apaixonar por contar histórias?

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