No liberalismo toda a gente é livre de morrer à fome. Pior do que isso, ao incentivar as pessoas a verem-se como indivíduos isolados, o liberalismo afasta-as dos seus companheiros de classe e impede que se unam contra o sistema que os oprime. Dessa forma, o liberalismo perpetua as desigualdades e condena as massas à pobreza e as elites à alienação.” (“Homo Deus” de Yuval Noah Harari)
Isto é liberalismo clássico: não liberalismo de esquerda (ou Liberalismo Social).

O Liberalismo Social data de finais do século XIX e é produto de um grupo de intelectuais ingleses conhecidos como “Novos Liberais” que se opunha à visão dos liberais clássicos cujo “laissez-faire” promovia sempre a liberdade individual e que, frequentemente, até conduzia à opressão e tirania dos mais poderosos contra os cidadãos. Por oposição, propuseram a intervenção reguladora do Estado para manter a Justiça Social e Económica, procurando assim garantir que todos tinham as mesmas oportunidades para prosperarem e serem felizes. O Estado dos Liberais Sociais seria assim um Estado Social, regulador e intervencionista, não um Estado “mínimo” ou uma minarquia, como defendem os Liberais Clássicos.

Sou um Liberal Social, de centro-esquerda e partidariamente alinhado numa ala centrista no Partido Socialista. Isto significa que, do ponto de vista ideológico, alinho-me com o Liberalismo Social: uma corrente de pensamento que coloca a liberdade individual no centro da política mas, ao contrário do chamado “liberalismo clássico” que, em Portugal, é encontrado no PSD, na IL e (menos) no CDS, não coloca no conceito de “liberdade” uma leitura redutora, assente na inexistência de coacção nas relações entre indivíduos mas num conceito mais abrangente e social-comunitário, uma vez que coloca no mesmo patamar a importância de existência de oportunidades iguais de emprego, formação, saúde, segurança independentemente do estatuto social ou económico. Com efeito, para o Liberalismo Social a igualdade de oportunidades e a obrigação do Estado de assegurar são tão importantes como a preservação da liberdade individual dos liberais clássicos.

Os liberais sociais também são dos maiores defensores dos direitos humanos e das liberdades cívicas, assim como de um Estado regulador forte que garanta a todos a igualdade de oportunidades. Para os liberais sociais o Estado não deve ser necessariamente o único fornecedor de serviços públicos de transporte, saúde ou educação, mas tem que garantir que todos têm acesso aos mesmo tipo de serviços podendo alguns serem concessionados sem que exista perda dessa acessibilidade.

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Se o liberalismo clássico, conservador, ou o neoliberalismo se alinham claramente à direita, pelo contrário, o liberalismo social posiciona-se ao Centro Esquerda.

Um liberal conservador ou um neoliberal da IL poderia dizer algo como a citada frase “no liberalismo toda a gente é livre de morrer à fome” mas um liberal social recusa o “laissez-faire” absoluto e opta pelas liberdades positivas procurando aumentar as liberdades dos mais desfavorecidos.

Os liberais sociais tendem a apoiar programas que incluam:

1. Auto-realização do indivíduo.

2. Uma economia de mercado onde o essencial da actividade económica é composta por empresas privadas mas existam serviços públicos operados pelo Estado, autarquias locais ou concessionados a privados de forma a garantir a todos o acesso ao mesmo tipo de serviços. Esta será a aplicação do lema “acreditar no mercado onde é possível e no Estado onde é necessário”: sem dogmas fechados nem ideias feitas.

3. Entidades reguladoras fortes que defendem os consumidores e promovam a competição livre e justa entre empresas privadas.

4. Comércio livre entre Estados e privados mas regulado e submetido a imperativos sociais e ambientais.

5. Um sistema de segurança social que pode ser totalmente público ou concessionado, parcial ou totalmente, a privados, mas protegido por uma regulação forte e actuante.

6. Leis de defesa do clima que regulam os comportamentos das empresas e dos cidadãos e que coloquem todos no mesmo patamar de competição e justiça climática.

7. Combate às alterações climáticas através das reduções dos consumos de energia, consumos inteligentes e investimento privado e público em energias renováveis.

8. Uma abordagem pragmática sobre a questão da energia nuclear que deve ponderar a contribuição da energia nuclear para a diminuição da emissão de gases do efeito estufa.

9. Um sistema fiscal moderado que promova a criação de emprego e, sobretudo, de auto-emprego.

10. A defesa das migrações como uma realidade incontornável no mundo moderno é uma forma de rejuvenescer e dinamizar as sociedades. Isto implica que os programas liberais sociais se opõem a políticas rígidas de imigração.

11. A defesa do laicismo.

12. Defesa de causas sociais e igualitárias tais como os direitos das mulheres, das minorais sexuais, do aborto e a proibição da pena capital.

13. Defesa absoluta dos direitos sociais e civis dentro e além das fronteiras nacionais.

14. A abolição da criminalização de crimes sem vítima tais como o consumo de drogas e a prostituição (excluindo o proxenetismo e o lenocínio).

15. A descentralização autárquica e formas moderadas de regionalização.

16. Autonomia e liberdade das escolas na elaboração e implementação dos currículos.

17.  Desregular o sector da educação, tornando o governo num agente que defende a diversidade de opções e a concorrência entre ofertas privadas e entre ofertas escolares privadas e públicas.

18. Internacionalismo e multilateralismo por oposição ao nacionalismo e ao populismo de direita.

19. Defesa do Estado de bem-estar, com responsabilidade financeira.

20. Taxação pesada da propriedade fundiária e latifundiária (combate ao rentismo hereditário). Simplificação do sistema tributário, com redução dos impostos sobre os rendimentos e aumento dos impostos que compensam as externalidades ambientais.

21. Comprometimento do aumento da influência dos trabalhadores na gestão das empresas.

22. Promoção das comunidades locais e da actividade cívica.

23. Reforma das leis eleitorais por forma a aumentar o poder e influência dos cidadãos sobre os eleitos. Entre este tipo de propostas contam-se referendos vinculativos mais acessíveis ou a eleição directa do primeiro-ministro e dos presidentes de câmara e junta.

24. Promoção e desenvolvimento da democracia participativa como complemento da representativa.

25. Europeísmo militante focado nas questões de ambiente, imigração e política externa.

Por fim não se pode confundir Social Democracia com Liberalismo Social: enquanto que a primeira se posiciona na banda esquerda do centro-esquerda e é socialmente progressiva, o Liberalismo Social alinha-se à direita do centro esquerda e é mais progressista que a Social Democracia em questões sociais mais mais centrista em questões de índole económica. Por isso é comum que os partidos social-democratas defendem a prioridade num Estado Social forte que garante a igualdade de serviços para todos enquanto que os Liberais Sociais preferem focar-se na facilitação da mobilidade social e no fornecimento (por parte do Estado e dos agentes económicos sob regulação estatal) de igualdade de oportunidades para todos independentemente do seu estrato cultural, social ou económico obtendo assim não uma igualdade de serviços públicos mas uma igualdade de oportunidades. Na prática, enquanto que a Social Democracia prefere acções que combatam diretamente a pobreza e a desigualdade, o Liberalismo Social prefere abordagens mais indirectas, subtis e de longo prazo e amplo espectro.

Como referências a partidos de ideologia Liberal Social podemos encontrar o Partido Social-Liberal (Dinamarca), os Liberal Democratas (Reino Unido) e os Democratas 66 holandeses.