A minha educação católica obriga-me a vir aqui ajudar o governo para uma próxima sessão de propaganda semelhante à ocorrida em Aveiro no último domingo pelo aniversário da geringonça. Sei que o primeiro ministro e muitos dos seus ministros tiveram um bom mestre de propaganda – José Sócrates. E que fizeram parte do governo que contratou crianças para olharem embevecidas para o dileto primeiro ministro durante a apresentação dos quadros interativos para as salas de aula.

Em todo o caso, para propaganda, há melhor que Sócrates. Vou buscar alguém da área ideológica dos amigos do PS na geringonça. Mao Zedong, por exemplo. Um especialista. Pegando só nos pósteres de propaganda, quantas coisas podia o PS aprender. Nos pósteres dos anos mais apurados, Mao aparecia sempre no centro, geralmente pairando sobre representações dos populares chineses. Não seria sido bonito a universidade dar púlpito central e alto a António Costa, forrado a papel dourado (podiam comprar com um dos vales de supermercado que sobrasse), para o nosso esplêndido primeiro-ministro se elevar face aos seus minions misteriais e à populaça que fez perguntas?

Do mesmo modo, os mais eficazes pósteres de Mao representavam-no como o sol, produzindo raios solares e tudo. Não teria sido catita se mais do tal papel dourado tivesse sido usado no cenário para desenhar raios a partir da posição central e elevada de Costa? Não consideramos todos que o nosso excelso primeiro-ministro aquece e alegra a nossa vida? Eu já pendurei retratos deste amado senhor no quarto dos meus filhos, e todos os dias de manhã insisto para que lhe façam uma respeitosa vénia (também aprendi estas estratégias a ler sobre o culto de Mao, boa prática que infelizmente o nosso mundo materialista trata com tanta injustiça).

Nos pósteres de propaganda chineses dava-se ainda grande importância aos pormenores pouco abonatórios que malvados artistas contrarrevolucionários tentavam inserir. Um desse aleivosos desenhou uma vez Mao no cimo de um precipício. Se o Mao pictórico avançasse para a frente, cairia no dito precipício – veem a mensagem maldosa? O artista teve o que merecia por esta gracinha: uns sopapos e uns anos de cadeia.

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Perante isto, o que dizer do comportamento dos ministros durante a ação de propaganda? Percebo que o ministro Cabrita deu o melhor uso possível àquele pedaço de tempo: dormiu. Quem nunca reprimiu um bocejo quando de repente, quase à traição, ouviu a voz de Costa na televisão ou na rádio? Também me solidarizo com Maria Manuel Leitão Marques, que resolveu ler jornais ou por as mensagens e o mail em dia. Bom uso do tempo, ou não fosse uma mulher. De resto era a única que sobressaía pela cor da roupa, num mar de ministros visualmente entediantes. E, de facto, não se deseja ao pior inimigo, nem sequer a um ministro da geringonça, uma tarde a ouvir António Costa.

https://observador.pt/videos/atualidade/sonecas-tiques-e-limpezas-o-que-fizeram-os-ministros-enquanto-antonio-costa-falava/

Mas e a mensagem que passaram, de ignominioso desinteresse pelas respostas que o querido líder dava à amestrada assistência? Sopapos e anos de cadeia talvez sejam excessivos para Cabrita e Leitão Marques, mas que tal enviá-los em licença prolongada para a Mongólia Interior? Ou para as zonas ardidas este ano (há uma ampla escolha neste critério) para um campo de reeducação pelo trabalho?

Depois dos desaires do cenário composto pela universidade e dos ministros que não revelaram adequada veneração pelo seu bom pastor, felizmente a assistência portou-se à altura quanto à devoção e ao respeito pelo aniversariante governo. Não houve perguntas difíceis, foram exibidas publicamente simpatias por tão excelso grupo, só faltou alguma das senhoras questionadoras assumir uma paixão secreta por Mário Centeno e enviar-lhe o número de telefone tossicando em código Morse.

É certo que pérfidos comentadores – só porque o governo pagou à empresa que organizou o evento que pagou em vales aos participantes – alegaram que o governo havia pago aos participantes. A que extremos vão as mentes maldosas para verem malfeitorias onde existe apenas inocência. Nada disso, não houve passagem de mão do vil metal: os participantes simplesmente receberam uns presentes.

Há abundante pesquisa científica sobre os efeitos de dar presentes. Tanto nas relações pessoais como nas comerciais, dar um presente serve para reafirmar uma relação e fortalecer a ligação entre as partes. Tal como nas ligações de amizade ou amor os presentes mostram quem é importante e até a hierarquia das importâncias relativas, também as organizações revelam o desvelo pelos seus utentes através de presentes. Graças a eles, as vendas aumentam. Em todos os casos, um presente provoca em quem o recebe um sentimento de propensão para a reciprocidade. Porém, e na linha do caso de Tancos ou da taxa vai-não-vai às eólicas, qualquer membro do governo ficará feliz por garantir a sua mais absoluta ignorância – deste assunto ou doutro qualquer.

E pronto, desta forma engenhosa pôde o governo encenar uma pantomina a armar a verdadeira conversa com eleitores que tiraram a tarde de domingo para escrutinar o poder. Como já informaram que pretendem repetir para o ano, espero que aproveitem as minhas sugestões acima. E que façam uma distribuição por toda a população de porta-chaves com um António Costa em peluche. O governo que não se preocupe com os custos. Sabendo nós que o PS vive de esmolas dos militantes, os contribuintes continuarão a pagar felizes estes exercícios de propaganda socialista.